ISC - Idealizado em 1993, o Instituto Salerno-Chieus nasceu como organismo auxiliar do Colégio Dominique, instituição particular de ensino fundada em 1978, em Ubatuba - SP. Integrado ao espaço físico da escola, o ISC tem a tarefa de estimular a estruturação de diversos núcleos de fomento cultural e formação profissional, atuando como uma dinâmica incubadora de empreendimentos. O Secretário Executivo do ISC é o jornalista e ex-prefeito de Ubatuba Celso Teixeira Leite.
O Núcleo de Documentação Luiz Ernesto Kawall (Doc-LEK), coordenado pelo professor Arnaldo Chieus, organiza os documentos selecionados nos diversos núcleos do Instituto Salerno-Chieus (ISC). Seu objetivo é arquivar este patrimônio (fotos, vídeos, áudios, textos, desenhos, mapas), digitalizá-los e disponibilizá-los a estudantes, pesquisadores e visitantes. O Doc-LEK divulga, também, as ações do Colégio Dominique.

LEK - Luiz Ernesto Machado Kawall, jornalista e crítico de artes, é ativo colaborador do Instituto Salerno-Chieus (ISC) e do Colégio Dominique. É um dos fundadores do Museu da Imagem e do Som de São Paulo e do Museu Caiçara de Ubatuba.

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Da Motta: fusão da escultura com a pintura


Texto: Celso Teixeira Leite

“Saúde e paz” são as primeiras palavras ao cumprimentar amigos e conhecidos. Transmite uma tranqüilidade de quem já esteve em muitos lugares desta vida e, aos 75 anos, diz que estas são duas palavras fortes que resumem tudo o que o homem precisa. José Vicente Doria da Motta Macedo, casado com Izabel e pai de Sergio, Antonio Augusto, Lavinia, Daniel, Maria Lucia e Paulo, com 20 netos e 14 bisnetos é um artista plástico que conseguiu fundir a vocação de escultor com a de pintor resultando em obras de arte que ganharam projeção internacional. De sua oficina no Perequê-Açu, frequentada por rolinhas que não se intimidam com a presença de estranhos e permanecem ciscando, são produzidas pinturas no entalhe encomendadas por clientes de todo o Brasil e do exterior. Chegou em Ubatuba em 1967, teve uma convivência muito estreita com a escritora Idalina Graça, de quem foi hóspede, sua mãe espiritual e avó de seus filhos. “Provocou em mim uma evolução mental permitindo o encontro comigo mesmo”, diz.
Da Motta
Frequentou curso com Collete Pujol, pintora de grande prestígio premiada pela Associação Paulista de Belas Artes e recebeu convite do prefeito Ciccilo Matarazzo para montar o museu pedagógico de Ubatuba. Define-se como um neo-acadêmico, mais folclorista do que religioso. As estátuas de santos estão espalhadas pelas igrejas da Ilha Anchieta (Bom Jesus), São Francisco (Ipiranguinha), São Pedro Pescador (Matriz), Santa Isabel (Ubatumirim). Sua produção é eclética e não tem idéia do número de entalhes e esculturas que já entregou, pois atende encomendas que vão desde paisagens simples da vida caiçara até santos chineses. Marca presença em Ubatuba há mais de 43 anos com sua arte exportada para Rússia, Alemanha, Itália, Canadá, Estados Unidos e Argentina, além de muitas regiões do Brasil. Defende a manutenção da nossa história e a preservação das origens na roça e não só do centro da cidade. Sua avaliação do mundo: “Nasci católico, freqüentei umbanda e cultos evangélicos, agora sou um terráqueo. Aprendi a conhecer o ser humano, resume Da Motta.

Jacob: a arte de mil maneiras


Texto: Celso Teixeira Leite

A dificuldade para conversar é grande, daí seu desespero. Imita instrumentos, lembra dobrados e outro gêneros, além de batidas na mesa para se comunicar, mas não desiste de contar sua história. A doença cobrou seu preço. Jacob, 75 anos, mais conhecido pela sua obra como artesão é na verdade um fanático por música desde a infância. “ Sou um misto de escultor, músico e poeta”, diz. Morador do Perequê-Açu desde que chegou em Ubatuba na década de 60 , tem 4 filhos ( Luiz, José, Denise e Cláudio), 8 netos e 2 bisnetos, tornou-se um artista da terra ao registrar costumes locais, o índio e o caiçara . Defensor ardoroso da natureza utilizou a madeira e suas formas, cores e desenhos para compor uma figura real ou abstrata.

Jacob
Tem um carinho especial pela figura de “A caiçara”, uma escultura que se olhada de lado é uma mulher e de outro um homem . O preto velho e o cachimbo, um robô de um metro de altura, o cachorro bassê de maçaneta e o pernilongo fazem parte de uma segunda fase da produção marcada pelo aproveitamento de sucata. Algumas das peças ainda estão em seu poder, mas a maioria acha-se exposta em residências dos Estados Unidos, Portugal, Japão ou Itália. A falta de reconhecimento pelo seu artesanato nos últimos anos levou Jacó a optar pela marcenaria pois não concordava em fazer qualquer coisa só para sobreviver.

Natural de Embu das Artes, aos 8 anos já expunha na Praça da República e ajudava o pai na mercearia com o aproveitamento das tábuas das caixas de madeira para consertar móveis. Daí surgiram os pedidos para andores e esplendores do Divino e para mobiliar casas inteiras. Sua paixão pela música o acompanha desde cedo e foi passada para os filhos. Recentemente deu uma flauta japonesa para um dos netos.
" Fiz parte da Banda de Embu e toquei sob a regência do maestro Antenor Carlos Vaz", afirma com orgulho. Sua vida de cigano fez com que morasse em Gonçalves, MG e Campos de Jordão e expor sua arte em Santos, Guaratinguetá e Taubaté, para finalmente, se fixar em Ubatuba.

Foi um dos defensores do autêntico artesanato caiçara participando da montagem da Feira de Arte e Artesanato, montada em 1971 na Praça Nóbrega mais tarde transferida para a Praia do Cruzeiro e da criação da Casa do Artista, na avenida Iperoig, que despertou muita polêmica com os comerciantes locais. João Teixeira Leite, pintor primitivista, lembra do episódio do Boi Natureza que desfilou no carnaval de 1983: “ Jacob pegou na praia um tronco de madeira parecido com um boi, adaptou um tonel que encheu de vinho, colocou as rodinhas e entrou na avenida para alegria dos foliões que tinham bebida de graça. E ainda teve a marchinha para animar a festa”, diz .

O armazém de secos e molhados do Jacob na av. Padre Manoel da Nóbrega, no Perequê-Açu, além de servir a famosa caninha “Ubatubana” produzida pelos Irmãos Chieus, era a oficina onde o visitante podia também conhecer o mais legítimo e criativo artesanato caiçara.

Bigode: o humilde e sua arte fantástica


Texto: Celso Teixeira Leite

Suas mãos não permitem mais esculpir e colocar na madeira a ideia que vai à cabeça. O glaucoma e o reumatismo não deixam, mas o cérebro continua ativo e a passar instruções aos filhos de como lidar com a madeira, a escolha, o corte, a conservação e o instrumento de trabalho. Só não consegue repassar seu dom divino: a arte Em uma casa humilde, no Perequê-Açu, mora Antonio Theodoro da Silva, mais conhecido como mestre Bigode, com sua Joana com quem teve 20 filhos, dos quais 14 vivos, 43 netos e um bisneto. O burburinho na casa é permanente e na hora do almoço o cheiro forte de sardinha frita invade o ambiente. Um cenário tipicamente caiçara. Aos 76 anos, o artesão Bigode é uma das referências mais fortes de Ubatuba com milhares de trabalhos que vão de uma minúscula figa ou de São Francisco, do tamanho de um palito de fósforo, até a estátua da Igreja da Imaculada Conceição, no Perequê-Açu, com mais de 1,70 m. Teve bronquite aos 13 anos que foi curada pulando 9 ondas, se enrolando na areia quente da praia para depois cair na água fria do mar novamente. Receita dos antigos que deu certo, diz Bigode. A doença o impediu de frequentar a escola e, até hoje, não sabe ler nem escrever. Despertou cedo para a arte do entalhe e os pedaços de guairana, urucana, caixeta e cedro viravam bodoques, piões, revolveres,máscaras de carnaval e, mais tarde com a bronca do pai, mudou para canoas , santos e rabecas ajudando no sustento da família. Durante 20 anos participou da Corrida de São Silvestre chegando em 34º lugar em 1972 competindo pelo E.C.Itaguá.
Bigode
Era presença obrigatória nas corridas da cidade. O ambiente católico de sua formação foi responsável pela maioria dos trabalhos. Cita com orgulho a escultura do rosto de Jesus Cristo exposta no Vaticano e os 4 santos na Igreja do Pilar, em Taubaté ( São José, Santo Antonio, São Francisco e São Jorge). Alguns dos filhos trabalham com a parte do acabamento de suas obras ou fabricação de móveis rústicos. Seu realismo fantástico ganha de histórias de pescador e divertem. São situações absurdas inventadas na hora, na certa uma prática herdada do tempo das assombrações. Fala da bicicleta grávida que comprou no Rui e pariu duas bicicletinhas; a briga com o lobisomem quando foi obrigado a segura-lo pelas duas orelhas; do mosquito da dengue com 1 m de altura encontrado no Itamambuca e do caso do revólver de ouro que jogou no mar e foi engolido por uma garoupa, até hoje procurada pelos pescadores da barra. O trabalho de Bigode como escultor é uma das principais referências da história do nosso artesanato e motivo de orgulho da comunidade caiçara.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Memorial Ciccillo Matarazzo

Allan Benetti, do Programa Frente e Verso, entrevista o ex-prefeito e jornalista Celso Teixeira Leite, idealizador do Memorial Ciccillo Matarazzo.

Parte 1:


Parte 2:


Parte 3:

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

VIRGINIA LEFEVRE E A S.P.E.S.

Ricardo Grisolia Esteves*

Na Ponta da Trindade, Ubatuba, duas caiçaras com Virgínia e Waldemar Lefèvre

                Escrever sobre Virgínia Lefèvre é escrever sobre várias personalidades em uma única: a escritora, a filósofa e missionária, a figura carismática elevada que encantava e seduzia com suas idéias humanísticas todos aqueles que tiveram a honra de conhece-la pessoalmente. Profundamente espiritualizada e culta, jamais incutiu conceitos religiosos nas pessoas que a rodeavam, porém, sempre tinha para todos uma palavra de fé e esperança. Nunca a vimos falar de política porém, nos alertava sobre a quem e quais os caminhos que deveríamos evitar.

Já em 1942 Virginia Lefèvre e algumas amigas fundaram em São Paulo a Escola para Crianças Abandonadas, que objetivava alfabetizar e capacitar para serviços domésticos, moças adolescentes provenientes de famílias sem posses e oferecer a elas educação familiar, cultura e boas maneiras, através do convívio em casas paulistanas.

Seu marido, o engenheiro Waldemar Lefèvre, fora incumbido pelo Instituto Geográfico e Geológico a determinar a linha divisória entre os Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro. Ao vir para Ubatuba, na companhia de seu marido, Virgínia Lefèvre se estabeleceu no bairro do Itaguá e a partir daí, enquanto durava o empreendimento de seu marido, percorreu toda a região até chegar as praias mais distantes do norte, então somente acessíveis por mar e por trilhas na mata.

Constatando a triste situação em que viviam as famílias caiçaras na abandonada Ubatuba dos anos 40, Dª Virgínia usou sua influência na sociedade paulistana da época e apelou ao seu círculo de amizades para fundar a SOCIEDADE PRÓ-EDUCAÇÃO E SAÚDE – S.P.E.S., mantida às custas de mensalidades dos associados e de rendas provenientes de eventos culturais.

Toda a vida de Virginia Lefèvre a partir de 1946 até seus últimos instantes em 1987, foi integralmente dedicada a S.P.E.S., entidade que chegou inclusive a ser declarada de interesse público pelos relevantes serviços sócio-culturais e educativos que patrocinava ao povo caiçara de Ubatuba.

A S.P.E.S.tinha como missão “prestar assistência social, de forma eficaz, promovendo a agregação da família”. Suas primeiras ações foram realizar casamentos entre pessoas que já viviam juntas e com filhos e também o de promover o registro dos filhos naturais pois muitos caiçaras não tinham registros civis de casamento e seus filhos não eram registrados formalmente. Esta situação impedia a comprovação de paternidade não lhes garantindo o acesso ao direito sucessório, tornando-os vítimas de especuladores imobiliários que a partir de documentação forjada, apropriavam-se facilmente de suas  terras.

Outra pioneira iniciativa da S.P.E.S. que obteve efeitos transformadores na sociedade caiçara foi a escolarização nas primeiras letras, com a fundação de  escolas. Em 1946 foi fundada a primeira escola no bairro do Itaguá, onde apenas se chegava caminhando pela praia. Em 1949 veio a da Caçandoca; em 1950 e 1951, respectivamente, foram criadas escolas na Almada e no Camburi; em 1954 a escola no Sertão do Ubatumirin. Na conceituação da S.P.E.S. a escola não se limitava a fornecer alfabetização e o primeiro contato com os livros. O seu espaço era ao mesmo tempo “a casa da lavoura; a farmácia; a enfermaria; o registro civil; a câmara e a prefeitura”.

Os esforços em promover a saúde, o saneamento e a educação principalmente dirigidos às famílias carentes e geograficamente isoladas, desprovidas de todo tipo de amparo, foi uma constante em muitos anos. De campanhas para tratamento dentário a mutirões para a erradicação de infecções epidêmicas, a S.P.E.S. atacou todas as piores mazelas que afligiam a vida do isolado povo caiçara e para isso buscou uma enorme soma de esforços, seja na iniciativa privada, seja na imprensa, procurando comover a opinião pública em prol da obtenção de recursos.

E foi através da S.P.E.S. que o artesanato caiçara passou a ser uma importante atividade, inclusive com a promoção de cursos para a melhoria dos produtos e o fomento à produção. Esse material era levado a exposições em São Paulo e a renda obtida revertia para os produtores, o que fez muitas famílias se especializarem.

Passados quase vinte anos da extinção da S.P.E.S., só restou de sua memória a lembrança de uns poucos amigos. Hoje a estrada já chegou ao sertão e poucas são as famílias caiçaras que vivem da roça e do mar. Não nos cabe julgar o que ficou de tudo aquilo – apenas prestar uma homenagem emocionada àquela que dedicou abnegadamente a melhor parte de sua vida à causa dos esquecidos.

Parabéns Dona Virgínia!


*Ricardo Grisolia Esteves (arquiteto e ceramista, morando em Ubatuba conheceu a obra da SPES em curso de teares manuais na sede do Itaguá em 1983) foi vice-presidente da SPES de 1983 a 1985. É co-autor do Manual Prático do Mobiliário Escolar, editado pela ABIME em 2001.

Viagens no Mundo Antigo




VIRGÍNIA LEFÈVRE




Viagens no Mundo Antigo



Pitágoras na Grécia e na Fenícia



Pitágoras viveu no século sexto antes de Cristo. Sua família era natural da ilha de Samos[1], mar Egeu, nas costas da Síria.

Pitágoras foi uma das maiores inteligências que já brilharam na Humanidade. Sua cultura enciclopédica, como filósofo, matemático e legislador foi adquirida pela leitura e, principalmente, por suas VIAGENS, além das lições que tomou com vários sábios da época.

Aos dezoito anos chegou ao Egito, com o fim de iniciar-se na sabedoria do Templo. Lá viveu durante vinte e dois anos, conseguindo absorver toda a vasta Ciência egípcia. Quando lá se achava, o Egito foi invadido pelo Rei da Pérsia, Cambises[2], que o mandou deportado para Babilônia, junto com muitos outros sacerdotes egípcios. Passou 12 anos na Babilônia onde ampliou seus conhecimentos astronômicos e matemáticos. Terminou os seus dias em Crótona, onde viveu 30 anos, criando a Escola Pitagórica da qual, mais tarde, Sócrates e Platão foram discípulos.

Uma das versões sobre a morte de Pitágoras é que morreu queimado, fechado em sua casa com trinta e oito discípulos, vítima do ódio dum cidadão importante, excluído de sua Escola e que se vingou amotinando o povo contra o Sábio.

A descrição das VIAGENS DE PITÁGORAS é uma homenagem ao grande espírito do filósofo e um meio de se fazer um passeio pelo mundo de há mais de dois mil e quinhentos anos.

                                   Virgínia da Silva Lefèvre



CAPÍTULO I


Com os olhos perdidos nos cumes distantes da montanha de Mícale, para lá do estreito, Mnesarco, o grande artista da ilha de Samos não ouve a bordo o cantar as giórgias dos gregos, nas odes incomparáveis de Homero. Havia mais de seiscentos anos que Tróia caíra, com a mesma nobreza e a mesma coragem que tinha caracterizado sua existência milenar. A Mnesarco, naquele momento, importava muito mais a queda de seu próprio coração. Ia casar com a nobre Partênis que tinha conhecido nas grandes festas em honra de Juno. Vira-a, pela primeira vez, à frente do cortejo das virgens. A silhueta esbelta ressaltando-se no fundo azul do céu, quando subiam o promontório onde tronava, imponente e severo, a seiscentos passos do mar, o templo magnífico da deusa mais querida dos samianos – a deusa tutelar dos casamentos. [3]

Naquele dia, todas as casas de Samos e dos burgos vizinhos estavam enfeitados de guirlandas e de flores em profusão. Todos os samianos estavam ricamente paramentados para a festa, em honra a Juno, porém Partênis não precisava de atavios. Coroada de rosas branca, vestida de uma túnica leve e macia como a penugem de pássaro, os pés minúsculos calçados em sandálias graciosas, ela se destacava pela doçura do sorriso e pela imponência natural do porte. Partêmis também reparou na admiração do artista mais célebre de Samos e retribuiu-lhe o amor com o mesmo ímpeto e espontaneidade. Ambos eram de nobres famílias. Nada havia para impedir um indesejado himeneu. Se Partêmis era descendente do primeiro rei de Samos, cuja linhagem remontava a Júpiter[4], Mnesarco também vinha de deuses. E, além disso, era rico, riquíssimo, graças aos seus trabalhos em cerâmica e em glíptica.[5] O célebre anel que Polícrates lançou ao mar, num gesto supersticioso, fora obra sua. Na preciosa esmeralda, Mnesarco tinha gravado uma lira, criando uma obra-prima. E não havia quem modelasse mais lindas crateras, nem ânforas de linhas mais delicadas ou hídrias de mais belo estilo, pois que Mnesarco tinha tomado lições com os mestres etruscos. Quando passeava pelas praias de Samos, gozando a brisa tépida da tarde, os cabelos negros atados em coroa, nem reparava que muitas jovens por ele suspiravam. Porém Partêmis teve o dom de despertá-lo de seus sonhos de arte, nos quais vivia imerso. Iam casar, no dia seguinte.
Rodeado pelos amigos, Mnesarco pensava que sua amada devia estar agora no “nymphaeum”[6], para os banhos sagrados, no templo de Juno. Parecia-lhe vê-la sair do gineceu, acompanhada pela mãe, linda como uma deusa e simples como uma flor, os cabelos castanhos presos pelos compridos grampos de marfim, a túnica de linho, cingida num cinturão de fina lã, terminando por uma franja tingida três vezes na púrpura... seria aquele o último dia em que Partênis dormiria no apartamento reservado às mulheres...

O bardo continuava celebrando as glórias dos gregos nos versos portentosos de Homero. Ulisses falava: “Meu coração está oprimido de desgostos, mas a fome e a sede me compelem a viver e a esquecer meus males. Quando despontar a aurora, suplico-vos, ajudai-me a voltar à pátria...”.

“Quando espontar a aurora...” Mnesarco pensa que o amanhecer lhe trará sua amada, sua para sempre, e sorri, distraído, imerso num devaneio que lhe põe n’alma as delícias do Olimpo. Amanhã Partênis será sua esposa.
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Partênis acabava de chegar ao templo de Juno onde, conforme os ritos, passara o pelos banhos sagrados, assistida pela sacerdotisa da deusa padroeira do himeneu. Mãe e filha dispõem-se a passar o último serão juntas. No silêncio do gineceu, as escravas servem a ceia que consta de sardinhas, pão azeitonas e frutas. Naqueles climas amenos, o homem pode levar uma vida simples e frugal. Não o abatem os grandes calores, nem o regelam os invernos duros. Graças a isto, não são necessárias as refeições abundantes, nem uma indumentária complicada ou casas luxuosas. O mobiliário do gineceu é simplicíssimo: dois leitos, cadeiras de curvas harmoniosas, com pés arqueados, de proporções elegantes, terminando em garras de leão, duas mesas arredondadas, de desenho formoso e simples e alguns tamboretes. Os móveis são todos ricamente adornados de marfim e prata. Os belos candelabros são de barro e bronze, elegantes e graciosos, assentados em trípodes também em forma de garra.

Partênis passeia os olhos comovidos pelo vasto aposento onde passou os anos calmos da adolescência. Sua mãe nada diz, pungida por uma saudade prematura. Comem em silêncio. No ambiente familiar se expande a arte grega nos mais pequenos objetos. Tudo é simples, eloqüente e límpido como se combinasse para exprimir, numa justa proporção, o que exige o sentimento.

Acabado o repasto, as duas, maquinalmente, dispõem-se aos trabalhos do serão. Nestas horas de calma é que elas tecem os panos de fino linho e do alvo algodão. O ambiente físico ensinou os gregos a serem ativos e laboriosos. Se a ociosidade era uma virtude social em Esparta, sempre foi um crime em Atenas. E a gente de Samos é jônia, mantendo os mesmos hábitos da terra donde vieram seus remotos antepassados. Mesmo nas famílias nobres, as filhas lavavam roupa e teciam para seu próprio uso, enquanto que os filhos não se envergonhavam de vigiar os rebanhos ou trabalhar no campo. Por isso, naquele último serão, mãe e filha trabalham juntas, numa despedida. Num lar grego, os servos são escolhidos com o maior cuidado e são tratados como amigos. Arifila, a escrava dileta de Partênis, não se contém e murmura:

–      Fiando e bordando, na véspera do casamento!...
A mãe ouve e replica:
–      E por que não?...
Estava quebrado o silêncio. Põem-se a conversar sobre o enxoval e sobre a cerimônia a se realizar no dia seguinte. A pedido de Partênis, Arifila canta uns versos de Hesíodo.

“A terra é cheia de males. Zeus, o senhor dos deuses, determinou a sorte dos mortais. Diante de seu trono majestoso, estão os dois enormes tonéis que contém um o bem, o outro o mal. Caprichoso, Zeus dá a cada homem os dons que bem entende. Por vezes, tira um pouco de cada tonel. Outras vezes, só distribui o que retira do tonel das dores. Pobre mortal! Será votado a ultrajes de todo o gênero e a Fome o exortará pela terra, errante, abandonado...”

A escrava calou-se, emocionada. A mãe não quer que a melancolia espane as alegrias puras do noivado de Partênis. Põe-se a falar, com o tom calmo que lhe é peculiar:

 –     Arifila! Se Zeus determina o destino dos mortais, dá-lhes também uma oportunidade de remissão! Por isto os homens são religiosos e, pelos sacrifícios, conseguem angariar o favor dos deuses, quebrando as rudezas do Destino. Zeus está vigilante. Sua filha, a Justiça, exige que os mortais respeitem seus semelhantes. Os homens devem saber distinguir o justo do injusto. Só os animais podem devorar-se entre si, porque não conhecem a Justiça. O mundo não é tão feio como disse o Poeta.

Partênis não entra na conversa. Ela sabe o que significa o casamento. A religião ensinou-lhe os dois magnos deveres de toda criatura humana: progredir e procriar. Para um grego, a voz da Natureza é a voz dos deuses. E quem cultua a beleza nas coisas, cultua forçosamente o Belo Ideal, fonte de toda paz e de todo equilíbrio. Não! Partênis não teme o casamento. Amanhã, ao romper do dia, quando Mnesarco vier buscá-la no gineceu, ela o seguirá feliz e corajosa, até o templo de Juno, para a cerimônia nupcial.

Partênis está agora a relembrar o que a sacerdotisa lhe disse naquela tarde, no “nymphaeum”: “Teu lar é um santuário no qual serás sacerdotisa e teu esposo, o deus. Nada digas, nem faça sem sua inspiração ou sem consultá-lo. Lembra-te: a felicidade não é uma dádiva dos deuses e sim, uma conquista! Sê como as Graças que vão espalhando flores pelos caminhos por onde passam. É preciso que teu marido te considere como a primeira entre as divindades tutelares. De ti dependem a ordem, a paz e a alegria no lar!” ...

 Seus dedos tecem com maior ligeireza e ela, também, se perde em delicioso devaneio.

                  CAPÍTULO II

Mnesarco e Partênis tinham tudo que um mortal pudesse desejar na vida, porém faltava-lhes um filho. Resolveram consultar o oráculo de Delfos, quando lá tinham ido para os célebres jogos píticos, que, de 8 em 8 anos, enchiam de entusiasmo a Grécia toda, atraindo a Fócida gente de todas as ilhas do mar Egeu.
A jovem desposada desejava ardentemente unir às doçuras do amor e da opulência, os prazeres inefáveis da maternidade. Antes de consultar o oráculo de Apolo, Partênis ofereceu ao templo uma crátera de bronze, artisticamente lavrada pelas mãos hábeis de Mnesarco. Era costume dos ricos procurar obter a benevolência do deus por meio dum presente precioso.
Em toda a Grécia não havia outro santuário mais célebre que o de Apolo pítico onde a arte mântica era verdadeiramente assombrosa. O antigo lugar das consultas ficava na vertente meridional do Parnaso, no ponto onde se abre uma furna escura sonde brotam emanações narcóticas. Um século antes da primeira olimpíada[7] já se erguia o templo, severo e imponente, na plataforma dos rochedos de Delfos. Nele, a virgem pitonisa levava vida austera e recolhida para que a faculdade da clarividência nela se manifestasse. E aquele que pretendesse consultar Apolo, devia purificar-se pela meditação durante vários dias, no fim dos quais, coroado de louros, oferecia ao deus algumas vítimas propiciatórias. “À porta de entrada estava escrito: Quem não tiver as mãos puras, não se aproxime!”. Só assim o consulente adquiria o direito de subir à galeria construída sobre o abismo, onde se defrontaria com a pitonisa preparada por um prévio jejum que durava três dias. A sacerdotisa – sentada sobre uma trípode de bronze, forrada com a pele da serpente Pitom morta por Apolo e colocada perto da furna – respirava profundamente as emanações que brotavam da terra, despertando assim suas faculdades mânticas. Recebia então a mensagem profética dos deuses.
Foi neste estado de êxtase que ela teve a visão do futuro de Partênis. Suas palavras vagas e incompreensíveis foram assim interpretadas pelo ministro do deus: “Feliz casal, navegai para Sídon. Lá Mnesarco obterá grandes riquezas e Partênis terá o filho que deseja, belo como Apolo e sábio como a Pítia”.
Quando desciam novamente, pelo vale tortuoso cavado entre as altas montanhas, Mnesarco e Partênis iam cheios de esperanças, pois jamais tinham falhado as predições da Pítia. Nem mais gozavam a beleza grandiosa da paisagem, agitados como estavam.  A cidade de Delfos semelhava um ninho atrevido de água altaneira, encarapitado no rochedo e dominado pelos dois cumes do Parnaso. De longe, já se viam as Vitórias de bronze, os Cavalos de cobre e inumeráveis estátuas de ouro que marginavam a via sagrada para o templo de Apolo Pítio.  O lugar mais santo de toda a Grécia parecia envolto em grandeza e mistério. Ali se amontoavam capelas votivas de todos os povos helênicos e os tesouros das oferendas ali encerradas eram célebres em todo o mundo civilizado. As romarias de gente – homens, mulheres e crianças – desfilavam infindáveis, todos desejosos de subir a via sagrada para saudarem o deus da Luz.
Desde tempos imemoriais que Delfos era um centro de adoração. Contava a tradição[8] que, em época perdida na noite dos tempos, um pastor se chegara à caverna donde brotavam os misteriosos vapores. Sentado à borda do precipício, o jovem se pusera a profetizar. Julgaram que tivesse enlouquecido, porém suas predições se realizaram e os sacerdotes resolveram consagrar o recinto ao deus da Luz que se dignava desvendar aos homens os segredos do futuro. E, desde então, preparavam-se sacerdotisas para ouvirem a voz dos deuses e transmitirem aos mortais. Foram as pítias que, respirando os vapores da terra, caíram em estado sonambúlico e prediziam com singular acerto, que valeu para Delfos a veneração de todo o mundo helênico. Não se empreendia nenhuma ação de vulto sem uma prévia consulta ao célebre oráculo de Delfos. Os poetas contavam que Zeus quis conhecer onde era o centro da Terra e então, fez partir, do nascente para o poente, duas águias. E estas se encontraram em Delfos.
Ainda no tempo de Arfeu, Dionisios ou Baco e Febo-Apolo tinham-se disputado a trípode mântica de Delfos. Finalmente, Dionisios resolvera cedê-la a seu dileto irmão, retirando-se para um dos cumes do Parnaso onde recebia o culto das mulheres tebanas. E Delfos assim ficou consagrado ao deus da Luz, inspirador da poesia, da medicina e das leis, símbolo da Ciência pela adivinhação, a Beleza pela arte, da Paz pela justiça e da Harmonia do corpo e da alma pela purificação. Para os gregos, Apolo simbolizava a manifestação do divino espírito no homem terrestre.
Em Delfos, contava-se que Apolo tinha nascido em Delos[9] e seu nascimento fora saudado por todas as deusas. Envergando o traje dórico de guerreiro, de loriga e couraça, aljava a tiracolo, belo entre os mais belos, ele criou a ordem, o esplendor e a harmonia cujo eco maravilhoso é a Poesia. Ondas de luz faziam o grande mar resplandecer, palpitante. Nesses tempos, uma serpente monstruosa assolava a terra de Delfos, devorando homens e rebanhos e devastando colheitas. O deus para lá se dirigiu e com suas flechas adestradas deu cabo do monstro, saneando a região e fundando o templo – símbolo da vitória da luz sobre as trevas. Entretanto, ao matar a serpente Píton, salpicou-se do sangue venenoso de sua vítima e, durante 8 anos, o deus penou em duras expiações, arte ficar novamente imaculado. Seus sofrimentos eram uma lição para os mortais que se agitam no círculo fatídico da carne – sofredores, insatisfeitos e inquietos enquanto não vencem a animalidade, ascendendo aos esplendores do espírito.
Durante a primavera, Apolo vinha sempre a Delfos onde lhe cantavam hinos ao som das liras de marfim. Dizem que eram poucos os que podiam vê-lo chegar, mais alvo que um raio de luar, sentado num carro que dois cisnes puxavam. O deus repousava então no santuário onde a Pítia transmitia seus oráculos. Nesta ocasião privilegiada, o silêncio povoava-se com o canto meigo dos rouxinóis e as águas da fonte de Castália[10] pareciam ainda mais puras e mais frescas. A luz descia sobre a alma atribulada dos mortais e fazia-os vislumbrar as delícias que os bem-aventurados gozam nos Campos-Elísios. Mais do que sempre, naquelas épocas benditas, a Pítia, de olhos fechados, via mais longe e melhor que de olhos abertos. A clarividente assumia uma consciência mais profunda de todas as coisas. E, êxtase, via aberto o grande Livro, do começo ao fim.
Estas considerações não perpassavam pelo espírito de Mnesarco e Partênis. Ambos só pensavam nas palavras dói oráculo. Teriam um filho que seria útil a todos os homens, em todos os tempos! Mas deviam ir a Sídon, na Fenícia... Por quê? Decerto era para que a criança fosse concebida longe das influências más que então agitavam a ilha de Samos onde o tirano Polícrates começava a fazer sentir suas prepotências.
E assim, antes mesmo de nascer, a criança foi votada por seus pais ao deus da Luz. De volta à pátria, enquanto a trirreme era balouçada pelas ondas azuis do mar Egeu, Mnesarco e Partênis já planejavam a viagem a Sídon, onde grandes ganhos estavam reservados ao artista.
Se Samos a Sídon, na Fenícia, a viagem era longa. Mnesarco fretou para si uma trirreme cujo piloto era um fenício veterano na navegação. Se os ventos não fossem favoráveis, os remos poderiam enfrentar os caprichos de Éolo[11] e a embarcação era possante para zombar das fúrias de Netuno[12]. Porém aquela viagem era abençoada pelos deuses e tudo correu bem.
Era a primeira vez que Mnesarco e Partênis aportavam na velha Sídon que se julgava ainda mais antiga que Tiro[13]. Ambas eram metrópoles de intenso comércio e a indústria da púrpura celebrizara-as. A cidade se estendia até a borda do Mar interior, [14] cujas águas parecem mais azuis que a de qualquer outro mar. Pouco distante da costa, estendia-se uma planície verdejante e risonha que encantou os olhos cansados de Partênis. Namontanha que delineava o prado pastavam calmamente cabras e cabritinhos. A terra boa produzia, fartamente, vinhedos e olivais. Porém, espremidos entre a montanha e o mar, os fenícios tornaram-se os maiores navegadores de todos os tempos.  O porto vivia cheio de embarcações de todos os tipos, vindas de todos os pontos da Terra. O comércio tornara Sidon uma das mais ricas cidades do mundo de então, porém a riqueza a corrompera. Era uma cidade aberta a todos os cultos e a todos os costumes. O espírito religioso de Partênis ressentia-se muito com o ar libertino da metrópole fenícia, pois estava acostumada a um ambiente muito puro, Mnesarco alojou-se numa casa confortável, retirada do bulício, cercada por um jardim umbroso, onde Partênis podia passear ou descansar à vontade, enquanto o esposo trabalhava em escultura e em glíptica. No pomar, havia romãzeiras, laranjeiras, figueiras e amoreiras. Ao longe, nas montanhas, o cedro se expandia em pujança e imponência. Partênis distraía-se tecendo e confeccionando com suas próprias mãos o enxoval da criança prestes a nascer. A profecia cumprira-se quanto aos ganhos fabulosos de Mnesarco e, numa bela tarde, consumou-se de todo com o nascimento dum menino.
Mnesarco, radiante de contentamento, apressou-se em levar o recém-nascido ao templo de Apolo, seu padroeiro e deu-lhe o nome de Pitágoras, em homenagem à infalibilidade da Pítia do oráculo de Delfos.
Logo que Partênis ficou em condições de viajar, o feliz casal voltou para Samos. Grato, Mnesarco votou o dízimo de seu ganho à construção dum santuário para Apolo e dotou-o com um sacerdote, sábio e santo.
Em seu palácio, onde os destinos dos homens estão gravados sobre o ferro e sobre o bronze, as Três Parcas teciam em fios de ouro a vida do filho de Mnesarco e Partênis, rodeando o berço de Pitágoras com as riquezas do amor e do conforto.
                           CAPÍTULO III

Os primeiros anos de vida de Pitágoras transcorreram calmos no palácio de seus pais, à sombra do santuário de Apolo a cujo sacerdote competia educar o menino. O ministro do deus achava que a Natureza deve ser a única mestra da infância. A criança deve crescer naturalmente, como as plantas, ao bafejo do sol e às carícias da brisa. Os primeiros anos da vida humana são o reino do instinto. O bondoso sacerdote dava ao menino a liberdade de correr pelos campos, livre e feliz. Com seu pupilo ele galgava os rochedos donde brotavam nascentes de água fresca e pura. Aquela vida desenvolvia na criança um grande amor às plantas e aos animais.
Um dia, um amigo de Mnesarco quis fazer um sacrifício no santuário da família. Em suas mãos, um galo se debatia aflito, adivinhando o destino que lhe reservavam. Até então, Pitágoras nunca tinha assistido a um sacrifício. Nas mãos do sacerdote, ele só tinha visto plantas medicinais ou insetos apanhados durante os longos passeios pela montanha. Via-o agora armado som uma faca disposto a imolar a pobre ave sobre a pedra do altar. Seu espanto foi enorme e seu desespero, inútil. Não resistiu. Quando viu o sangue a escorrer por entre as chamas votivas, saiu a correr, chorando amargamente. Com o instinto peculiar às crianças foi queixar-se á mãe, porém Partênis não lhe deu razão, tentando fazê-lo compreender que o sangue dos animais agradava aos deuses e os dispunha a favor de quem lhe oferecia uma vítima. Calado, macambúzio, inconsolável, o menino sentiu, pela primeira vez que o egoísmo dos homens quebrava a maravilhosa harmonia da natureza. Pela primeira vez sofreu e chorou. Como era possível que os deuses, senhores dos destinos dos homens, apreciassem o derramamento do sangue de animais inocentes e inofensivos? E o menino nunca mais pode esquecer a cena horripilante que lhe fez tomar de horror ao seu primeiro mestre.
Outros dissabores mais sérios estavam reservados ao jovem Pitágoras. Mnesarco adoeceu gravemente e sentindo que Átropos se dispunha a cortar o fio de seus dias, tratou de providenciar um tutor para o filho ainda de tão pouca idade. Sua escolha recaiu na pessoa do sábio e virtuoso Hermódamas que vivia em retiro, sempre a estudar e meditar, afastado da vida pública ou de mesquinhos interesses materiais.
Hermódamas era descente do célebre Cleófilo de Samos, o mesmo que tivera a honra de acolher em sua casa o grande Homero, proscrito, envelhecido e abandonado por todos. A hospitalidade de Creófilo tinha garantido a paz para os últimos anos de vida do Pai da Epopéia. Era desse homem que descendia Hermódamas, escolhido para tutor e mestre de Pitágoras.
No seu leito de dores, Mnesarco agonizava. Antes de ir para o reino de Hades, quis falar com o filho. O menino chegou-se, muito pálido, porém firme e compreensivo. Com voz fraca, o pai falou:
 – Pitágoras, meu filho, vem receber meu último adeus.
O menino beijou as mãos geladas, enquanto Hermódamas e Partênis se acercavam. Num gesto lento, o moribundo ainda pode acariciar a cabecinha loira. Seus olhos embaçados pousaram em Hermódamas, balbuciando:
 – Em tuas mãos... entrego... meu filho...
E foram estas suas últimas palavras. A chama da vida tinha-se-lhe apagado para sempre. O doloroso silêncio foi quebrado pela voz de Hermódamas que rezava a oração dos mortos, dirigida a Hermes ou Mercúrio, o deus que conduz ao Hades as almas trespassadas, desligando-as da cadeia da carne.
A notícia do passamento do grande artista correu célere e, ao despontar do dia, muitos se ocupavam em tecer guirlandas e coroas para as fúnebres solenidades. Hermódamas não largou de Pitágoras, cujo desespero mudo era assustador, em tão tenra idade. Repetia, consolando-o: 
– Pitágoras, não chores a morte dum homem justo e útil aos seus semelhantes.
O cortejo fúnebre de Mnesarco foi uma prova de que Samos sabia honrar o grande artista e para Pitágoras, adolescente, houve um certo consolo nestas homenagens a seu progenitor.
À noite, depois do enterro, quando sozinho com Hermódamas, Pitágoras foi remexer no “atelier” de seu pai, onde, ultimamente, já trabalhava também. Por toda parte, belos trabalhos, alguns ainda por acabar. A um canto sobre um pequeno pedestal de ouro, um pedaço de ônix onde estava esculpida a figura de três Musas disputando-se a posse duma lira. No ouro havia uma inscrição feita pela mão de Mnesarco: “Obra de Pitágoras aos quatorze anos”.
O filho pôs-se a recordar a alegria do pai quando tinha visto aquele trabalho pronto. Eram risonhas promessas para o artista, imaginando que seu querido Pitágoras herdara sua profissão. Este se lembrava perfeitamente das palavras de Mnesarco, ainda não havia um ano: “Meu filho, peço aos deuses que teus trabalhos sejam muito superiores aos meus. Cultiva tuas capacidades artísticas. Lembra-te sempre de que um bom artista é superior a um grande rei. Mais vale criar uma obra-prima do que conquistar burgos e cidades”.
Entretanto, mais altos ainda eram os destinos reservados ao jovem Pitágoras. O sábio Hermódamas ia-lhe passando todos os conhecimentos que possuía e Pitágoras preferia o estudo e a meditação a se dedicar à gravação em pedras preciosas. Os seus longos passeios pela ilha de Samos, acompanhado por Hermódamas, eram vivas lições tomadas no livro vivo que é a natureza. Sentados num ponto alto do promontório Posidium que dominava o mar Egeu, conversavam sobre assuntos sérios e profundos. Hermódamas contava ao discípulo tudo o que sabia sobre a ilha de Samos, desde o tempo remoto em que para lá tinham emigrado os jônios, fugidos de Atenas por questões políticas. A ilha era uma espécie de prisão que limitava as atividades dos homens. A necessidade tornou-os intrépidos navegadores e chegaram a ir até o Alto-Egito onde fundaram entrepostos comerciais. Dentro em pouco, o povo de Samos ficou riquíssimo e começou a esquecer de cultivar os tesouros do solo fecundo. Hermódamas, como filósofo, não podia ver com bons olhos aquelas riquezas que, a seu ver, serviriam apenas para atiçar a inveja dos outros gregos e a cobiça do Persa ali vizinho.

Pitágoras ia aprendendo assim a não enxergar o valor dos bens materiais deste mundo, alargando cada vez mais seus horizontes intelectuais. A biblioteca que tinha herdado de seus pais encerrava manuscritos preciosos. Pitágoras devorou-os uma a um, lendo-os infatigavelmente, durante meses e meses, orem os livros não foram suficientes para lhe satisfazer a sede de saber. Vendo o discípulo inquieto e insatisfeito, o sábio Hermódamas propôs-lhe que deixasse os livros mortos e procurasse ler nos livros vivos, correndo o mundo. Começariam por viajar por toda a ilha de Samos, pois que a águia não permite aos aguiluchos os grandes vôos enquanto não estão aptos a voar à volta do ninho. Palmo a palmo, Hermódamas e Pitágoras percorreram o solo desigual, porém fertilíssimo da ilha de Sammos, onde medram toas as árvores da Ásia, com exceção do cipreste. Uma a uma admiraram as obras de engenharia no porto onde se abrigavam navios de todos os feitios e procedências e maravilhosas fortificações de pedra que defendiam a cidade. O circo imenso, talhado em anfiteatro na montanha, as praças públicas cheias de estátuas de mármore, os templos de Netuno e de Juno, o aqueduto que provia o abastecimento de águas, tudo atestava o progresso e a riqueza de Samos. Entretanto Hermódamas só mostrava apreensão e tristeza, ressaltando como as terras férteis eram tão pouco cultivadas e como os homens amolecidos no luxo recusavam seus braços à lavoura. Portos, diques, muralhas, aquedutos, templos suntuosos eram um chamariz perigoso. Hermódamas suspirava, saudoso dos remotos tempos em que a gente de Samos vivia, modesta e ignorada, praticando a cerâmica, numa paz feliz e cheia de fartura. Tinham comprado a riqueza a custa da independência e da tranqüilidade. Por trás das colunas e dos ouropéis gemia a classe pobre e desvalida, afundada num abismo de ignorância e miséria. As riquezas todas corriam para a corte de Polícrates como os rios correm para o mar. E Hermódamas expunha aos olhos do discípulo os problemas sociais, esclarecendo-o e forçando-o à meditação.


Um belo dia, recebeu Hermódamas uma missiva:
“Polícrates, rei de Samos, ao sábio Hermódamas:
Vem ao meu palácio amanhã.
Espero-te, com teu discípulo”.
Despachou o escravo:
– Dize a teu amo que cumpriremos suas ordens.
Tinha sucedido o que Hermódamas tanto temia. O tirano de Samos lançara suas vistas sobre o rico herdeiro de Mnesarco.
A Pitágoras não escapou a angústia do seu preceptor. Forçou-o a uma explicação. Até então, tendo vivido isolado em suas propriedades, o jovem Pitágoras desconhecia quase inteiramente a situação política de sua pátria. Chegara o momento em que o mestre devia esclarecer o discípulo.
Quem era Polícrates? Por que temer ao som se seu nome?
A história era curta. Os insulares tinham enriquecido e eram temidos pelos vizinhos. Começaram a guerrear entre si, sem opinião determinada e nem princípios fixos. Joguetes de muitos partidos, incertos na escolha dum governante no meio de tantos ambiciosos, deixaram-se guiar por um golpe de audácia. Na ilha morava um negociante riquíssimo, chamado Eaces. Aproveitando-se duma festa, quando os insulares estavam todos reunidos para assistir a um combate simulado entre várias galeras, Eaces fez uma proposta ousada à gente de Samos. Doava à pátria todos os seus bens; deserdando os três filhos. Estes que trabalhassem como ele tinha trabalhado. Impunha, porém, uma condição: deveriam escolher um rei, naquele momento mesmo, para acabar definitivamente com a anarquia reinante. O entusiasmo da multidão foi indescritível. Emocionados pela grande generosidade de Eaces, elevam-no ao trono, em retumbante unanimidade. Em poucos meses ele passou de chefe arei, e de rei a déspota, oprimindo a ilha com a pressão de sua vontade ambiciosa. Seus três filhos, em virtude do pacto feito pelo pai, estavam na miséria. Polícrates era o filho mais velho. Coligando-se, os três irmãos destronaram e mataram o pai. Entretanto, um trono era pequeno demais para três e Polícrates resolveu o problema da seguinte maneira: envenenou um dos irmãos e exilou o mais moço que julgou inofensivo. Desta espécie era o tirano de Samos. E quem não hesitara em sacrificar os irmãos pela carne, o que não faria para estranhos?
No dia seguinte, pela manhã, Hermódamas e Pitágoras foram ao palácio do déspota. Chegaram à hora do banho, mas já eram esperados e tiveram licença para penetrar no suntuoso salão onde Polícrates se banhava em águas perfumadas com preciosas essências do Oriente. Recebeu-os cheio de fingida amabilidade, alegando que os chamara porque queria que sua corte fosse o asilo das luzes e da sabedoria de Samos. Exigia a presença de Pitágoras em seu palácio. Filho e herdeiro do talento de Mnesarco, deveria lavrar para Polícrates um novo sinete. E trabalharia mesmo na residência real onde seria tratado como um príncipe e com honorários principescos. Quanto ao sábio Hermódamas tinha uma missão diplomática a cumprir, num reino distante, no continente.
O preceptor de Pitágoras respondeu apenas com agradecimentos, solicitando do déspota a permissão de voltarem aos seus lares, para decidirem certos pequenos detalhes domésticos. Sim; poderiam ir, com a condição de estarem de volta à meia noite, impreterivelmente.
Não havia um momento a perder: era preciso fugir. Se passassem na corte um só dia que fosse, seriam doravante prisioneiros de Polícrates! O fato do déspota querer separar o discípulo de seu mestre era mau sinal. Pitágoras aceitou o alvitre com todo o prazer, não apenas movido pelo espírito de aventura, mas principalmente o porquê se sentia revoltado contra o tirano que pretendia resolver sobre o destino de seus súditos. O jovem, ardente e sonhador, não tinha vontade de ser encadeado nos pés dum trono para abraçasr uma profissão que o não tentava. A mãe, Partênis, compreendeu o perigo e acedeu prontamente. Naqueles tempos incertos, andava sempre preparada pra uma fuga precipitada. Tinha ricas propriedades em uma da Cícladas. Fugiram os três ao cair da noite, numa galera pilotada por um fenício hábil, cujos bons serviços foram comprados a peso de ouro.
Depois que Partênis ficou em segurança, Hermódamas dispôs-se a viajar com o discípulo. Este não se satisfizera com os livros escritos pelos homens. Melhor era que corresse o mundo e ouvisse a palavra dos sábios, para satisfazer a paixão intelectual que lhe brilhava nos olhos negros e que dava às suas ações uma energia secreta.

                           CAPÍTULO IV
A primeira viagem foi à vizinha ilha de Siros, onde vivia Ferécides, o filósofo que pregava a mortalidade da alma e que era amigo de Hermódamas.
A pequena ilha era um mimo de verdura sobre o mar azul. Para lá afluíam comerciantes do Egito, da Fenícia e da Caldéia, atraídos por suas riquezas, mas Hermódamas apenas procurava um sábio. Ansiava por que o jovem Pitágoras bebesse àquela fonte de sabedoria.
Ferécides não estava em casa. Encontraram-no no interior da ilha, examinando, com alguns discípulos, uma caverna na qual pretendia fazer um relógio do sol. Párea ele a experiência era simples e para os camponeses da ilha seria de imensa utilidade para que pudessem contar as horas. Pitágoras encantou-se diante das explicações: um ponteiro de ferro fixo, com sua sombra, iria marcando várias linhas, uma das quais seria a meridiana. Os habitantes de Siros, na zona temperada setentrional, teriam a sombra mais longa no solstício de inverno.
Pitágoras ouvia atento, examinando a bela fisionomia do homem, ainda no vigor da idade, alto, másculo, elegante mesmo, falando num tom de voz grave e sentenciosa. A túnica de alvo linho estava gasta pelo uso, porém impoluta em sua brancura. Agora ele falava sobre as pirâmides do Egito, considerando-as como prováveis heliotrópios, destinados a marcar os pontos de solstício do sol. Com um ar risonho, Ferécides explicava a Pitágoras:
– Não viajei ao Egito. Vivo aqui metido na minha ilha, numa vida pacata. Nosso porto recebe centenas de navios mercantes, vindos de todos os cantos da terra. Enquanto os meus conterrâneos compram jóias e tecidos finos, eu compro as obras que encomendo dos que se consagram aos estudos. É este o meu modo de viajar e de me instruir. A boa gente de Siros olha-me como a um grande sábio. Em terra de cegos quem tem um olho é rei...
A convite de Ferécides, Hermódamas e Pitágoras aceitaram sua hospitalidade. A casa erguia-se no meio dum belo jardim, porém primava pela simplicidade. No fundo da sala principal ressaltava-se o altar dos deuses lares. O mobiliário constava do essencial. No meio do teto um candelabro de terracota. Via-se que os habitantes daquela casa se restringiam à satisfação das necessidades humanas, sem requinte algum de luxo. Ferécides vivia com seu velho pai, um octogenário sacudido que ainda puxava os bois da charrua pelos campos de cultura e que desprezava as riquezas gracejando: “Os homens da cidade estão cheios de ouro e do supérfluo que vivem aborrecidos, sem se decidirem sobre o prazer que hão de escolher. O meu filho Ferécides vive querendo adivinhar o sistema do mundo. Zombo de todos! Nem a riqueza nem a ciência podem me prolongar a vida, ao passo que a charrua ajuda-me a ter o que comer, e o exercício ao ar livre me dá apetite. Creio que eu sou o mais sábio...” E terminava a arenga com uma risada homérica, de homem forte e sadio.
Pitágoras tudo apreciava com enorme atenção. Sobre a mesa de madeira polida e brilhante um rapazote serviu a ceia que constava de ovos cozidos sobre a cinza, cebolas, mel e frutas variadas. Numa grande ânfora trouxa ele leite cru, ainda quente. Não faltou também um vinho saboroso.
Foram dias calmos e felizes os que Pitágoras passou em Siros: calmos porque não saiu do jardim de seus novos amigos e felizes porque pode satisfazer sua paixão pelo saber, ouvindo as doutrinas de Ferécides, durante horas e horas. Em sua memória juvenil ia gravando aqueles ensinamentos que mais tarde haviam de frutificar numa doutrina própria. Ferécides revelava-se um amigo da Razão, procurando a Verdade na Natureza. A água é o elemento onde começou a vida O ar, ou Júpiter, representa o princípio ativo. A terra é o princípio passivo. O fogo é o gênio do mal. O Cosmos não passa dum grande campo de batalha onde lutam os elementos: éter, água, ar, terra e fogo. A harmonia resultará duma trégua nesta luta, ou melhor, dum equilíbrio entre estas forças. Assim também, a virtude é uma linha de equilíbrio na luta entre o bem e o mal. Entretanto o movimento é a alma do Universo. E assim como a Água é o elemento básico do mundo físico, o Amor é básico no mundo moral. Este Princípio de Amor nunca morre, mesmo quando o cadáver dum homem é queimado numa pira fúnebre ou jaz sobre uma fria lápide de mármore...
 Os olhos de Pitágoras se enchiam de luz. Aquelas palavras eram a voz de seu próprio coração. Quando, com Hermódamas, abandonou a ilha de Siros estava resolvido a alargar seus horizontes intelectuais, seguindo o conselho de Ferécides que lhe tinha dito: “Se queres aprender, viaja sozinho, a pé e lentamente, Volta sempre a um ponto que te interesse. Procura passar despercebido. Sacrifica aos deuses do país onde passas, para não escandalizares teus semelhantes. As viagens hão de te preservar de te fechares no teu mundo interior. Procura conhecer os homens e as coisas...”.
E como Hermódamas se sentia cansado pela idade, Pitágoras resolveu prosseguir sozinho sua peregrinação pelo mundo. Conhecera Ferécides de Siros. Queria agora conhecer Tales de Mileto, Bias de Priena e Anaximandro, a conselho de seu preceptor.  Antes de correr terras estranhas, deveria ouvir as lições dos sábios da Grécia, posto que viajar pela Jônia fosse o mesmo que viver em sua ilha de Samos, pois a religião e os costumes eram os mesmos. Nas casas, o mesmo mobiliário, o mesmo altar em forma de forno ou de fogareiro, reminiscência ainda do tempo em que era usado para cozinhas. Nas pessoas, o mesmo traje: a capa ou o manto que constava dum pano quadrado, lançado para as costas, passando uma ponta sobre o ombro esquerdo pendente sobre o peito. A outra ponta passava por cima ou por baixo do braço direito, cruzava o peito e ia até as costas, passando pelo ombro esquerdo. A parte superior era enfeitada com bordados e a da inferior, que chegava até os joelhos, pendiam franjas ou borlas, geralmente douradas. Os vestidos das mulheres apenas variavam com túnicas mais graciosamente pregueadas, notando-se que as casadas vestiam túnicas mais compridas. Para não arrastarem no chão, costumavam arregaçá-las, prendendo-as ao cinturão dela finamente bordada. Naqueles climas felizes, onde o exercício mental contribuía para o desenvolvimento dos corpos elegantes e harmoniosos, a moda não precisava requintar-se para disfarças defeitos ou aleijões. Assim como a arte grega se distinguia pela simplicidade eloqüente e límpida, assim também os homens e as mulheres eram formosos em sua elegante simplicidade. A própria religião, complicada por uma quantia enorme de deuses, reduzia-se a preceitos morais, simples e fáceis de reter pelo povo, denotando fina observação do homem e um elevado sentimento de liberdade e de igualdade. Os gregos cresciam na convicção de que se fossem puros e úteis aos seus semelhantes iriam, levados por Mercúrio, para o Eliseu, – as Ilhas dos Bem-aventurados, onde vivem eternamente os filhos dos deuses e dos heróis.  Entretanto, criam eles que havia uma divindade a reger as vidas humanas. Era o Destino, deus cego e inexorável, filho da Noite e do Caos, dominando os céus, a terra, o mar e os infernos. O próprio Júpiter ou Zeus, o pai dos deuses, o mais poderoso de todos, não poderia dobrar um decreto do Destino. Imaginavam eles que as leis do Destino estavam escritas por toda a Eternidade e os deuses poderiam consultá-las. Os ministros deste deus inexorável eram as três Parcas, executantes de suas ordens, habitantes das regiões olímpicas, encarregadas não apenas de velar sobre a sorte dos mortais, mas também sobre o movimento das esferas celestes e a harmonia do Universo. É no seu magnífico palácio que os destinos dos homens estão gravados sobre o bronze e o ferro, de modo que ninguém poderá apanhá-los. CLOTO, vestida numa longa túnica de diversas cores, com um diadema de sete estrelas, segura uma roca que desce do céu até a terra. LÁQUESIS, cuja túnica é bordada de estrelas, põe o fio da vida no fuso e ÁTROPOS, a inflexível, envelhecida, dura, sempre vestida de preto, lúgubre como a morte, encarrega-se de cortar o fio quando chega o limite da duração da vida dum mortal. Nas grandes festas em honra a Apolo, os gregos costumavam sacrificar às Parcas várias ovelhinhas negras, procurando obter senão favores, ao menos benevolência. Tudo isso era muito familiar ao jovem Pitágoras.
Para começar sua peregrinação pela Jônia, – longe de Atenas, porém em tudo semelhante à matriz que a doara com dons de civilização, – Pitágoras decidiu-se a visitar Éfeso. De lá, seguiria a pé até Mileto, palmilhando as estradas ótimas e constantemente transitadas pelas caravanas da Pérsia e da Caldéia. Ele não tinha pressa. Sua finalidade era aprender. Dentro de seu espírito ia esboçando a base de sua doutrina, parando pelos templos e ouvindo, paciente e atento, as lições que a leitura de suas obras escritas em papiros indestrutíveis.
E numa bela manhã ensolarada, Pitágoras aportou em Éfeso, na Jônia, na costa ocidental da Ásia Menor. Aninhada nas colinas de Coressus e Prion, a cidade se estendia pela planície afora, rica e muito visitada. Mais para dentro, já no meio da planura coalhada de casas, pomares e jardins, por onde serpeavam as águas serenas do rio Caisteno, o templo de Diana de Éfeso, célebre no mundo da época. Encantado, Pitágoras hospedou-se na casa dum rico negociante, amigo de seu falecido pai e homem muito considerado na cidade, muito culto e muito viajado.

                         CAPÍTULO V
Os primeiros dias foram dedicados a visitar os monumentos da cidade entre os quais se destacavam o Grande Teatro e a Agora magnífica, centro da cidade do povo. Esta praça principal era toda cercada de pórticos sustentados por colunas de mármore em estilo jônio, elegante e flexível, e, nas horas serenas da tarde, ali se reuniam os magistrados para o exercício da justiça. No interior, templos, altares, estátuas de deuses e dos homens notáveis de Éfeso, eram para Pitágoras como que um livro aberto onde podia ler em detalhes a história e a vida da cidade. Numa ala desta imensa praça, movimentavam-se os negociantes, mercadores e compradores do mercado otimamente sortido com as mercadorias mais variadas. Lá se encontrava de tudo, desde o fino leque de cabo de marfim todo trabalhado, ou as preciosas essências do Oriente até as mais corriqueiras provisões de boca, em feira enorme e movimentadíssima. À esquerda do Grande Teatro, erguia-se imponente o edifício da Biblioteca. Pitágoras dividiu assim seu tempo: as manhãs, para passeios, as tardes para leitura e as noites para conversas com seu amabilíssimo anfitrião. Após a ceia farta, recostados nos leitos macios, num ambiente de paz e de beleza, era agradabilíssimo palestrar. As horas fugiam céleres como pássaros assustados.
A visita mais interessante foi ao templo de Diana, ou Ártemis, como era mais conhecida em Éfeso, da qual era padroeira. Contaram-lhe que os lelégios, gregos primitivos, tinha o hábito de vir caçar nas montanhas da Jônia onde abundavam javalis e veados. Numa destas caçadas, foram atacados por um javali enorme. Em perigo de morte, os caçadores invocaram o auxílio de Diana e prometeram-lhe a cabeça da fera, caso os livrasse de tão terrível transe. A deusa não falhou a invocação e os lelégios cumpriram a promessa. Num olmo do bosque, ficou pendurada a enorme cabeça, em ação de graças. Um dos caçadores esculpiu num tronco a imagem da deusa, Virgem-Mãe de toda a natureza, símbolo do poder produtivo da terra. Os caçadores voltaram frequentemente ao recinto sagrado e ergueram um pequeno templo na planície: uma simples plataforma de xisto verde ao lado da árvore sagrada, da imagem de madeira e do altar rústico onde lhe ofereciam em sacrifício as primícias da terra, bois, carneiros e veados brancos. Em torno do templo modestíssimo, foi nascendo a futura cidade de Éfeso, pois não tardaram a construir cabanas por ali. A terra era fértil, o porto era hospitaleiro. Em volta do olmo sagrado foi crescendo, dia a dia, o agrupamento humano. As amazonas, habitantes da região, receberam bem os novos hóspedes da terra, pois que elas também eram devotas de Ártemis cujo culto parecia ainda mais remoto que as mais antigas das populações asiáticas.
Então, no tempo de Pitágoras, estavam procedendo à construção dum templo magnífico, em estilo egípcio. Todas as províncias  da Ásia contribuíram para o monumento em honra à dileta deusa olímpica, a rainha dos bosques, virgem como minerva, sua irmã.
Baixos-relevos contavam a história da deusa desde o nascimento. Viam-se sua mãe, Latona, – fugindo aos ciúmes de Juno que a perseguia implacavelmente, pondo-lhe no encalço a serpente Píton. Graças á bondade de Netuno, encontrava um refúgio: o deus do mar, fustigado as águas com o tridente, fazia brotar do Oceano a ilha de Delos onde, protegida contra o ódio de Juno, Latona deu à luz os dois filhos de Júpiter: Apolo e Diana, irmãos gêmeos. Depois, via-se Júpiter colocando aos ombros da filha, o arco e as flechas que a consagravam padroeira da floresta e dos caçadores. Mais adiante, aparecia Diana com seu cortejo de sessenta ninfas, as Oceânias e mais vinte, as Ásias, das quais exigia uma castidade absoluta, sob pena de morte. Elas todas são lindas, porém nenhuma excede a deusa em formosura e garbo. Como Apolo, seu irmão, Diana aparece com diferentes nomes: na terra é Ártemis; no céu, é Febe ou a Lua; nos infernos é Hécate, maléfica, a empunhar duas tochas. Quando Apolo, o Sol, desaparece no horizonte, Diana, a Lua, resplandece nos céus apiedada pelas trevas misteriosas que envolvem a terra. Apolo é cultuado pelos rapazes; Diana pelas moças.
Pitágoras continuava examinando os baixos-relevos. Via agora a deusa, com uma expressão severa e cruel, destruindo as colheitas e os rebanhos que a ofenderam. Surpreendida no banho pelo caçador Acteon não hesita um instante: joga-lhe água, transformando-o num veado que é imediatamente devorado pelos seus cães. Virgem implacável, Diana conseguiu fugir aos encantos do Amor e apaixonou-se perdidamente pelo belo Endimion, neto de Júpiter. Endimion conseguira do senhor do Olimpo um favor singular: dormiria perpetuamente, numa caverna do Monte Latmos, na Caria, sem nunca envelhecer, nem sofrer ou morrer. No baixo-relevo via-se Diana com o formoso adormecido na gruta onde, todas as noites, ia para contemplá-lo. Mais impressionante era sem dúvida alguma, a estatua da Diana de Éfeso. A deusa parecia enfaixada. Na cabeça, como diadema, uma torre de vários andares. Em ambos os braços, leões. Sobre o peito e o estômago. Uma infinidade de seios. No resto do corpo, uma porção de animais de variadas espécies: bois, touros, veados, esfinges, abelhas, insetos, etc...  Viam-se mesmo algumas árvores e plantas, num símbolo complicado da Natureza com seus inumeráveis produtos. Para a mente evoluída de Pitágoras, aquela estátua não representava uma fantasia pueril de artista supersticioso, mas, sim, uma imagem da Natureza, Virgem-Mãe de todas as coisas, animadas e inanimadas.
Foi com bastante pesar que Pitágoras abandonou as colinas de Éfeso, cobertas de olivais verdejantes e risonhos, tomando a estrada de Priena, onde pretendia avistar-se com Bias, um dos sete famosos sábios da Grécia. Em meio dia de caminhada a pé ia-se de Éfeso, colônia marítima de Tebas. O rio Meandro alegrava com suas águas os arredores da cidade espaçosa, erguida quase aos pés do Monte Mícale, às bordas do mar Egeu.
Como cidade, Priena nada oferecia de extraordinário, com a mesma topografia de todas as outras cidades gregas: a Agora, o Teatro, a biblioteca, as casas dispostas em quarteirões em ruas pavimentadas com blocos grandes de pedra, o porto, num canto protegido da enseada, e, no sopé da acrópole, [15] um templo dedicado a Demeter ou Ceres, que ensinou aos homens a arte de cultivar a terra e à qual costumava sacrificarem de preferência porcos e fêmeas de javali.
Desta vez Pitágoras hospedou-se na chácara do sábio, cuja hospitalidade gozou durante vários dias, compreendendo porque não era adorado em sua cidade de Priena. A seus estudos, deviam uma rede de água e esgotos, que os tinha beneficiado enormemente. A suas brilhantes defesas e acusações, sob o pórtico de mármore da Afora, muitos prienenses deviam a liberdade ou a restauração de sua honra. À sua bolsa farta, muitos estrangeiros aprisionados e vendidos como escravos pelos piratas do mar deviam a vida e a volta aos pátrios lares. E os escravos em Priena, graças ao exemplo de Bias, tinham uma vida tão boa como a dos homens livres, facilitando-se-lhes os meios para comprarem a liberdade. Porque naquele mundo de ferro, – entre as em nações dispersas desde as colunas de Hércules[16] até as margens do rio Indo, na Ásia, desde as estepes da Cítia até o vale do Nilo, [17] a escravidão era de direito público. Constituía o alicerce da sociedade, sob o qual se firmava a liberdade civil e política dos cidadãos. Todos consagravam a Escravidão, de modo que era realmente um privilégio ser escravo em Priena. Todas as religiões da Terra, todas as legislações e todas as filosofias davam ao forte o direito de explorar o fraco, inconscientes de todos de que esta moral primitiva era um ultraje aos direitos naturais pelos quais, desde então, pugnavam os grandes espíritos, como Bias de Priena. Filósofos havia que julgavam a escravidão como uma espécie de inovação filantrópica, isto é, o vencido na guerra conservava o direito de viver, escravizado embora, em vez de ser degolado. O fatalismo das religiões reinantes, que olhavam o Destino como um deus inexorável, a reger a sorte dos mortais, fazia com que a história humana fosse considerada como uma espécie de poema divino cujas peripécias já estavam de antemão gravadas em bronze, no palácio das Parcas. E a escravidão não foi apenas uma resultante da guerra, mas também a causa de muitas lutas, haja em vista a guerra entre gregos e troianos. A Bias de Priena repugnava aquele tráfico de seres humanos que os fenícios faziam com a mesma naturalidade com que negociavam sua púrpura os seus vinhos. E Pitágoras, ouvindo as palavras de Bias, sentia todo o horror daquela situação: a escravidão era um direito tão nobre como a guerra! Só havia um meio de elevar o ser humano acima daquela condição humilhante e aceita pelas leis da época: era criar na alma a certeza de sua espiritualidade. Os poderes humanos podiam escravizar o corpo, porém o espírito era livre, eterno, imperecível...
A amizade entre o jovem samiano e o sábio de Priena solidificou-se rapidamente, graças à comunhão de gostos e sentimento. Pitágoras pode até gozar o privilégio de ler o manuscrito do poema sobre a arte de ser feliz no qual o prienense vinha trabalhando havia já algum tempo. Em sua memória prodigiosa ficaram gravados os ensinamentos essenciais: “Para ter uma boa colheita, não é preciso que o lavrador penetre os mistérios da Natureza. Que importa o que se passa sobrte nossas cabeças? Só nos interessa o que nos toa de perto. Dize a verdade e pratica o bem, na medida de tuas forças, se te preocupares com as ameaças dos deuses ou com suas possíveis recompensas. Não supliques aos deuses a saúde! Sê sóbrio, metódico, trabalhador e conquistarás por tri próprio o bem-estar de teu corpo. Não supliques aos deuses riquezas! Trabalha para adquiri-las! A indigência não é maldição do Destino e sim, um fruto amargo da preguiça...” Era admirável! Bias procurava sacudir a indolência do espírito humano, teimoso em arrimar-se à cômoda muleta da religião. E mais admirável ainda era que a gente de sua terra o ouvisse com tanto carinho e veneração.
Quando passeavam juntos, várias vezes Bias foi consultado por transeuntes. Um dia, um deles perguntou:
– Bias, explica-me: que são os deuses?
O sábio sorriu e respondeu:
– Pergunta a eles mesmos!
O ingênuo consulente retrucou:
– Já lhes perguntei e não me responderam.
Bias bateu no ombro, num gesto paternal.
– Meu amigo, não posso ter a pretensão de saber mais que os deuses.
Não havia ninguém capaz de conversar tão bem como Bias. Era eloqüente espirituoso, sem ser mordaz. Fazia gosto ouvi-lo contar as peripécias dum banquete que o rei Periandro, tirano de Corinto e muito afamado pelos seus poemas, ofereceu aos sete sábios da Grécia, sendo que o próprio rei mereceria um lugar entre os sábios.
Contava ele, com muita graça, que a fama dos sete sábios tinha começado com uma trípode de ouro que um pescador tinha colhido em sua rede. O precioso tripé foi levado a Delfos e a pitonisa deu a sentença: “Deveriam oferecê-lo ao mais sábio dos gregos”.  Perplexidade! Quem seria o mais sábio dos gregos? Acabaram por enviar o tripé a TALES de Mileto que o mandou para PÍTACO de Mitilena. Este por sua vez despachou-o para CLEÓBULO de Lindus, na ilha de Rodes. Para encurtar a história, a áurea trípode seguiu para o sábio MÍSON, o lavrador que vivia afastado em suas terras do Peloponeso, passou para QUÍLON na Lacedemônia, foi descansar durante alguns dias nas mãos de SÓLON em Atenas e rumou em longa viagem até Priena, para Bias que o despachou incontinenti para TALES, ponto de partida deste curioso circuito que provara que a modéstia era um complemento indispensável à sabedoria. Por decisão final da pitonisa, a bendita trípode foi oferecida ao templo de Apolo Ismênio, em Tebas. Tudo estaria muito bem e no melhor dos mundos se o fato não tivesse causado época em toda a Grécia. Resultado: os sete sábios que fruíram o doce sossego da mediocridade ficaram em foco. Os tiranos disputavam-no em suas cortes, tomando ares protetores. Periandro de Corinto foi um deles. Não houve remédio senão darem um passeio a Corinto para paparem um opíparo banquete saturando-se todos rapidamente da vida luxuosa e inútil da corte. Alias o tirano Periandro recebeu-os em seu palácio de verão, fora da cidade, depois de lhes ter proporcionado o máximo conforto na viagem, honra lhe seja feita. À mesa, havia outros pequenos régulos de cidades vizinhas, além do filósofo Anacársis que viera da Cítia em visita a Sólon de Atenas, e o frígio[18] Esopo cujas ironias e sarcasmos se disfarçavam em fábulas interessantes que tinham os animais como protagonistas.
Tales estava dum mau humor incrível. Irritava-o aquela situação de animal raro em exposição e expandia-se em respostas mordazes. Um dos pretensiosos régulos perguntou-lhe:
– Dize-me, Tales, qual é o pior entre os animais?
– Entre os selvagens, é um déspota: entre os animais domésticos, é um adulador.
Esopo comentou irônico:
– Os sábios da Grécia foram convidados como amigos e não como juízes do príncipe.
Tales contentou-se em fulminá-lo com um olhar irritado. Porém o banquete correu sem incidentes, terminando com uma longa discussão sobre qual seria a melhor forma de governo para o povo. A conclusão geral foi que o indivíduo devia aprender a contentar-se com pouco, de modo a não depender de ninguém, mas era duvidosa a vantagem de se manter ambição no homem. Periandro suspirou:
– Ai! Se a paz reinasse na terra e nos mares, o que seria das construções militares e navais? E o que seria dos cozinheiros, se os homens reduzissem sua alimentação ao estritamente necessário?
Era realmente um problema! O banquete terminou com uma libação às Musas, e depois Periandro continuou governando como muito bem entendeu. Não é com palavras que se consegue doutrinar um tirano. Antes de seguirem para seus penates[19], os sete sábios fizeram uma santa peregrinação a Delfos, ao templo de Apolo Pítico. Bias concluiu sua longa narração:
– Meu caro Pitágoras, cheguei à conclusão de que cada um deve viver por si. É absolutamente estúpido querer-se reformar a humanidade. Só sou conselhos quando mos pedem, porém não fujo de espalhar as poucas luzes que adquiri entre os que queiram aprender.
Amável e hospitaleiro, Bias arranjou para Pitágoras um guia que o levasse a Mileto, onde tencionava tomar umas lições com o celebrado Tales. Este guia era um moço, filho duma das mais ricas famílias de Priena e um verdadeiro apaixonado pelo grande Tales. Na curta jornada de Priena a Mileto os dois jovens conversaram incansavelmente.
                        
                         CAPÍTULO VI
Naquele tempo, Mileto era a rainha das cidades da Jônia: a maior, a mais rica, a de comércio mais intenso e o maior centro cultural também. Sua topografia, perto da foz do rio Meandro, prestava-se para o grande desenvolvimento a que atingiu. Pelo vale, ubérrimo[20], passavam todas as caravanas que vinham da Frígia, carregadas de preciosas mercadorias da remota Índia. Em Mileto havia quatro ótimos ancoradouros, de modo que o porto podia abrigar uma quantidade incrível de galeras, trirremes e embarcações de toda natureza. Para maior realce, em Mileto viviam três grandes sábios: Tales, Anaximandro e Anaxímenes. Governava o importante centro comercial o tirano Trasíbulo, que conseguira firmar paz com o rei da Lídia, Alíates, de modo que, cessando a luta secular entre a Lídia e Mileto, havia margem para fruírem as delícias da riqueza e da fartura.
Na acrópole[21] de Mileto destacava-se o templo de Apolo Délfico, o mais importante da cidade, porém a profusão de templos era o melhor atestado da opulência milesiana. A Agora magnífica diferençava-se de sua congênere em Éfeso, pois os pórticos e os grandes armazéns eram todos no severo e rígido estilo dórico.
Pitágoras não queria o burburinho da cidade civilizada. A ele interessavam as lições do grande Tales cuja memória havia de varar os séculos, imperecedoura. Seu celebro parecia realmente enciclopédico: astrônomo, matemático, naturalista, Tales era também um político habilíssimo. Sua fama tinha começado quando predisse uma eclipse do Sol, enchendo de pasmo o mundo da época. Durante anos passados no Egito, Tales aprofundou-se no estudo da Geometria,porém seu senso prático tinha o dom precioso de por pos conhecimentos abstratos a serviço da utilidade pública. Ensinou os marinheiros a avaliarem a distancia dum navio ao mar, desde que conhecessem o comprimento e a altura da embarcação. Ensinou os arquitetos a determinarem a altura duma pirâmide ou de qualquer edificação por meio do comprimento de sua sombra. Com grande simplicidade ele criou uma lei de proporcionalidade: “A sombra dum homem está para a altura da pirâmide”.  O alcance prático dessa lei era suficiente para dar a Teles a fama de que gozava, pois tinha lançado o fundamento dos métodos de medida das alturas e distancias.
Entretanto, Tales, apesar de ser capaz de prever um eclipse[22], desconhecia que a nossa Terra é uma esfera, imaginando-a como um disco chato. O mesmo pensava Anaxímenes, assegurando que o ar era a substância primária, a fonte de todas as coisas. O ar expande-se com o calor e contrai-se com o frio. Anaxímenes achava que estas mudanças de densidade é que ocasionaram tudo o que existe. A Terra era um disco chato, flutuando no ar, - assim pensava ele.
Mas Anaximandro, discípulo de Tales, não concordava com o mestre. Não! A Terra não podia ser um disco chato! Observando os astros e o céu, Anaximandro tinha conseguido verificar a obliqüidade da eclíptica e, depois de profundas lucubrações, chegara à conclusão de que o Universo, ao início, devia ser uma enorme massa, infinita, eterna e indestrutível. Esta massa imensa foi se desgastando e formando corpos a parte, pela separação dos opostos. Dela saíra um fogo central, formando-se o Sol, as estrelas e a Terra também. A Terra, portanto, devia ter uma forma cilíndrica. Segundo sua opinião, a água era a fonte da vida, – a água que o Sol lentamente foi evaporando, dando origem assim ao elemento sólido.  E o homem? Como teria aparecido o homem? Anaximandro julgava que o Homem devia provir de alguma espécie animal aquática, pois que, se fosse como é, não teria podido sobreviver no ambiente daquelas eras primitivas.
Eram estes os assuntos sobre os quais conversavam Pitágoras e seu guia, o jovem prienense, enquanto jornadeavam a caminho de Mileto, costeando a praia.
À proporção que se aproximavam da cidade, ia se tornando mais cerrada a massa de vivendas, das chácaras e dos templos que marginavam a estrada. O espetáculo era magnífico. Depois de deixar Pitágoras em casa de Tales, o prienense separou-se dele. O sábio era um homem idoso, alto, espadaúdo, usando uma túnica de fino linho, não gasta pelo uso, como era a de Ferécides de Syto. Tales era um cidadão rico, porém sabia aproveitar dignamente sua situação favorecida. Trasíbulo, o tirano de Mileto, tinha sido seu discípulo e procurava angariar-lhe as boas graças, mas Tales era inflexível. Recusava terminantemente o convite para ir morar no palácio do rei.
Pitágoras foi muito bem recebido, na qualidade de enviado de Bias e de filho de Mnesarco e, principalmente, por ter fugido da corte de Polícrates, tirano de Samos. Não podia haver credencial melhor aos olhos do irascível Tales que detestava os déspotas. O sábio de Mileto pôs-se inteiramente ao dispor do moço viajante. Aliás, Tales nunca imaginou encontrar uma tão vasta cultura em tão jovem celebro. Ele próprio levou o samiano à casa de Anaximandro e os três discutiram longamente suas teorias sobre a evolução da vida e a formação do Universo. Pitágoras, por enquanto, apenas argumentava com o que tinha aprendido nos livros. Suas doutrinas próprias só se esboçariam mais tarde. Por enquanto, era apenas um discípulo humilde e atento. Aquela sublime teoria do Infinito esboçada por Anaximandro, enchia-o de entusiasmo. Ambos os sábios aconselharam a Pitágoras que fosse ao Egito, o maior centro de cultura do mundo civilizado de então. No Egito, ele poderia aprender muito mais. Pitágoras contou-lhes o conselho recebido de Ferécides: devia viajar lentamente, sem pressa alguma, parando nos pontos que julgasse interessante, meditando, ouvindo, observando.  Ele, de fato, tencionava ir ao Egito, porém antes passaria pelas colônias gregas e feníceas.
De Mileto, Pitágoras seguiu para Halicarnasso, lá chegando no dia da grande festa a Vênus, deusa do Amor e da Beleza, a Afrodite tão venerada em toda a Grécia. A ela consagravam o sexto dia da semana. [23]
Vênus era uma das mais célebres divindades do Olimpo. Considerada como Mãe do Amor, gozou de incrível popularidade entre os homens. Rodeada pela corte das Graças, dos Jogos e dos Risos, ela simbolizada o prazer no seu mais amplo sentido. Os poetas contavam que Vênus guardava no cinto um tesouro de encantos, de sorrisos feiticeiros, de suspiros persuasivos, de silêncios expressivos e olhares eloqüentes. Mercúrio, o deus ladrão por excelência e símbolo do Comércio um dia lhe roubou o precioso cinto, causando um escândalo enorme no Olimpo...
O culto a Vênus assumia todas as formas de superstição, desde as mais inocentes e ingênuas até as mais impuras e licenciosas. Consagravam-lhe a rosa, a maçã, a romã, o mirto, o cisne, o pardal e a pomba. As vítimas que lhe sacrificavam era o bode, o varrão, a lebre e, raramente, animais grandes.
A festa de Vênus de Halicarnasso era a maior do ano e marcava a chegada da primavera. Neste célebre porto da Caria, esta festividade assumia um caráter licencioso. E profundamente imoral que lembrava os cultos violentos da pecadora Babilônia ou os sacrifícios de pudor feitos à Astartéia fenícea. Sob os pórticos dóricos dos templos, Pitágoras assistiu a cenas que o horrorizavam. O deboche e a prostituição encapavam-se sob uma forma religiosa das mais repugnantes, nos bosques próximos à fonte de Sálmacis, cuja água límpida e apetitosa encerrava os venenos perigosos de Cupido. Quando Pitágoras conversou com um sacerdote dos templos de Afrodite, este alitarco, muito convicto, defendeu aquela espécie de culto. A colônia dórica de Halicarnasso tinha crescido rapidamente em população e em riqueza, sem invejosos e sem rivais, graças àquelas festas às quais ocorriam estrangeiros endinheirados vindos de toda a Ásia Menor. Afinal, afirmava o alitarco, era mais humana esta política que as das conquistas por derramamento se sangue. Vênus era a maior amiga da suave deusa da Paz, doce e benevolente, a levar na mão direita a cornucópia da abundancia e, na esquerda, um ramo de oliveira. Aqueles sacrifícios em efusão de sangue eram mais de acordo com a Natureza!...
Pitágoras não se demorou na risonha Halicarnasso. Havia freqüentes barcos que navegavam para Cnidus, num percurso de duas horas de viagem pelo golfo de Cós. No dia seguinte, o samiano já se achava no antiqüíssimo porto de Caria onde, aliás, imperavam o vício e a ociosidade como na vida fácil num porto ótimo em terra riquíssima. A riqueza é quase sempre uma maldição.
Uma galera fenícea seguia para o porto de Pafos, na Ilha de Chipre daí a dois dias. Ia em rota batida, com um carregamento de tecidos de linho e cerâmica das Cícladas. Nela Pitágoras tomou passagem.


CAPÍTULO VII

A ilha de Chipre, Cipro ou “Kithim” que os egípcios chamavam “Asi” é a maior do Mar Interior[24] oriental. A bordo da galera, em longas palestras com os marinheiros fenícios, Pitágoras ia colhendo detalhes sobre a história da ilha cujas florestas magníficas abasteciam com madeiras preciosas o mercado externo e cujos olivais forneciam o melhor azeite do mundo. A gente de Sídon orgulhava-se de ser fundadora das primeiras colônias em Chipre. Naqueles tempos, entretanto, predominava na ilha a influência grega. A língua mais falada era um dialeto grego, a par dum dialeto fenício. Os egípcios que sempre tinham vivido metidos no seu vale do Nilo, agora começavam a interessar-se por Cipro donde compravam as madeiras e o cobre[25] para a indústria e para a arte. Era a civilização egípcia tinha atingido tão grande exuberância que extravasava do seu território confinado dum lado pelo deserto e do outro lado pelo mar.
A padroeira de Chipre era Afrodite, a deusa que ali nascera, da espuma do mar[26]. A ilha é atravessada por duas cadeias de montanhas paralelas no meio das quais há ma planície de admirável fertilidade.  As enchentes do rio Pediéos e seus afluentes encarregavam-se de espalhar pelo solo o aluvião fertilizante. O clima ameno tornava a ilha um ponto de atração. Muito próxima da Fenícia, seus portos, aliás pouco abrigados, tinham um movimento enorme.
Pitágoras decidiu-se a fazer uma pequena estação de repouso em Pafos, com a intenção de aperfeiçoar seus conhecimentos os sobbre a língua egípcia antes de prosseguir viagem. O idioma do Egito era bem difícil de ser dominado por um grego, mas não por um paciente estudioso como era Pitágoras. O sacerdote do templo de Ísis, em cuja casa ia hospedar-se, não se furtaria decerto a dar-lhe as desejadas lições.
Sinué, o grão-sacerdote de Ísis, veio receber Pitágoras a bordo. Tinha sido muito amigo de seu pai, nos tempos em que Mnesarco andava viajando como agora Pitágoras fazia. Era uma figura de velho moreno cor de cobre, feições finas, dentadura perfeita, olhos amendoados, estatura elevada, mãos de dedos longos e espirituais. Vestia-se à egípcia, cabelos raspados bem rentes e sobre a cabeça uma tiara sacerdotal, que, em casa, substituía pelo turbante de linho branco. O traje branco era comprido e de mangas largas, com um gorjal[27] onde luziam pedras simbólicas. O tipo de Sinué impressionou profundamente a Pitágoras.
A casa ficava na planície, a cerca de trinta estádios[28] do mar. A distancia relativamente curta foi coberta por um passeio agradável num caro grego, puxado por fogosa parelha. A cidade estendia-se do mar até bem longe, pelo vale adentro. As montanhas orlavam o horizonte à direita e à esquerda, cobertas cedros, ciprestes e pinheiros portentosos. Por todo lado vivendas, alegres cercadas de pomares onde cresciam bananeiras, figueiras e laranjais verdejantes. Ouvindo as exclamações entusiásticas de Pitágoras, Sinué protestava: o clima da ilha não era tão bom como diziam... O calor era insuportável no verão e as chuvas abundantes demais. Sentia-se que o egípcio sofria de saudade da pátria cujo clima, aliás, desafiava a paciência humana. Cabras pastavam pelas encostas distantes Sinué explicou ao visitante que o leite das cabras era apreciadíssimo na ilha e para contrabalançar, queixou-se da quantidade de cabras e gafanhotos que desciam das florestas. E suspirava, descontente:
– A bela Afrodite poderia ter escolhido um melhor lugar para seu nascimento...
Desabafava:
– O estado da política na ilha é péssimo. Nove ou dez pequenos régulos[29] tiranizavam a população, explorando os plebeus e impondo-lhes arbitrariedades. As mulheres de Chipre são desprezíveis...
Pitágoras manteve-se calado. A verdade é que tinha achado cidade de Pafos muito bonita, construída em anfiteatro à borda do mar irrequieto e a posição da ilha era a mais conveniente possível para servir de repouso aos navegadores de três mundos.
No decorrer de sua estadia na casa de Sinué, Pitágoras teve ocasião de assistir a festa de Adônis que, como em terra fenícea, era celebrada com grandes alardes na entrada da primavera. O grão-sacerdote explicou: – Na Fenícia há um rio chamado Adônis, que se colora de vermelho na primavera e no outono, impressionando profundamente o povo que imagina que as águas alusionais estão carregadas de sangue. E a região fica enlutada, enquanto a população chora a morte do semideus Adônis.
A cidade de Pafos herdou a cerimônia baseada na lenda do semideus, caçador das florestas do Líbano. Adônis, célebre por sua beleza, inspirou uma violenta paixão na deusa Vênus. Um dia, um javali feroz, – dizem que mandado pela deusa Diana que tinha ciúmes das conquistas da deusa do Amor, – atacou e matou o belo caçador. Vênus correu ansiosa para o amante moribundo, ferindo sua pele de cetim e leite nas sebes espinhosas, mas suas lágrimas apaixonadas não puderam impedir que Mercúrio viesse buscar a alma de Adônis. Levando-a para os sombrios domínios de Hades ou Plutão. Vênus não se conformou com a separação. Tantas súplicas fez a Júpiter para lhe ressuscitar o amante que o Pai dos deuses fez uma concessão: Adônis passaria seis meses nos infernos e seis meses sobre a Terra. Na primavera a gente de Pafos festejava-lhe a ressurreição e no triste outono chorava-lhe a morte, lastimosamente.
Nesta lenda, Sinué explicava a Pitágoras a alegoria: Adônis nada mais do que uma personificação da natureza em suas diversas fases e sob aspectos diferentes. Na primavera é bela e produtiva; no inverno parece morta, para depois ressurgir como mesmo esplendor e fecundidade. Entretanto a ignorância e a superstição, aliada à sensualidade, redundavam naquelas festas tão imorais como as que Pitágoras tinha presenciado, com tanto horror, em Halicarnasso, sob a capa da religião, a humanidade expandia seus instintos baixos.
E o espírito do culto à Vênus é profundamente puro – afirmava o austero e culto Sinué, colocando nas mãos de Pitágoras o livro das invocações, para que o discípulo de          Hermódamas e Ferécides julgasse por si próprio.
De posse do precioso livro de invocações a Vênus, o samiano não sentiu o tempo passar. Concentrado na leitura, não conseguia compreender como os atos religiosos eram tão diferentes das sagradas palavras. Para que elevarem cem altares a Afrodite, queimarem-lhe incenso e sacrificarem-lhe bodes e lebres?... Não seria melhor que meditassem sobre aquelas invocações e compreendessem que a alma é uma luz velada e que, se dela não cuidarmos, escurece e extingue-se? A alma precisa do santo óleo da espiritualidade para brilhar como uma lâmpada imortal. Entretanto, as Invocações eram bem explícitas:
“Ó Vênus! Teu nome é a palavra mais sagrada no idioma dos dórios, pois que significa uma jovem virgem!
Ó Vênus Anadiômene! És uma imagem do mundo que emergiu das águas, como tu emergiste do mar...
Ó Vênus! Representas o óleo santo do Amor a vivificar a alma do Universo... Entre as divindades é como o ouro entre os metais. A idade do amor é a idade de ouro da vida.
Ó Vênus Pantéia, deusa de todas as perfeições, tu reapresentas o belo por excelência!...
Sinué e Pitágoras comentaram longamente sobre aquelas invocações, chegando à conclusão de que, efetivamente, era necessário medir a verdade de acordo com as inteligências. E esta verdade deveria encerrar-se no coração do homem, não se revelando por palavras e sim, por obras! E ambos, reverentemente, visitaram um dos altares da deusa do Amor e da Beleza, levando-lhe incenso e flores. A uma lado do templo, Pitágoras examinou o monte de oferendas que os fiéis deixavam para a deusa: havia brinquedos que as noivas doavam na véspera do casamento; havia lâmpadas, jóias, véus, espelhos, cabeleiras e até sandálias elegantes, presentes que escondiam sempre algum pedido de felicidade em, amor. No momento em que lãs estavam, assistiam a chegada de duas jovens cipriotas que traziam para a deusa uma guirlanda de rosas. Depositaram o tributo nos degraus do altar, deram três passos para trás e pararam. Com os dedos polegar e indicador da mão direita jogaram à deusa um beijo, murmurando as palavras de praxe: “Nós a ti devotamos, de corpo e alma”.  E sairam as duas, risonhas e animadas, cochichando segredinhos alegres. Sinué e Pitágoras também saíram, porém o assunto deles era bem mais sério e mais profundo.
Havia um motivo para a estadia de Pitágoras em Chipre, alem de seu interesse em aprender o idioma egípcio. Tinha combinado com a mãe que para lá lhe enviasse mais moedas e mais pedras preciosas com as quais Pitágoras is custeando suas despesas de viagem. A provisão que trouxera da ilha de Melos estava quase esgotada. A Sinué ele oferecera a última esmeralda das que tinha trazido, esculpidas pelas mãos hábeis de Mnesarco. Porém o mensageiro de Partênis chegou e, com as moedas e pedras preciosas, trouxe também notícias da família para Pitágoras. Partênis participava ao filho que Hermódamas estava proibido de entrar em Samos, pois o tirano Polícrates e não lhe perdoava aquela fuga que afastara de sua corte o filho de grande Mnesarco. Polícrates fora obrigado a encomendar um novo sinete a um outro artista e estava literalmente furioso.
Entre as dracmas e as estáteras[30] de electro e ouro figuravam uma moeda nova que chamou a atenção de Pitágoras. Em vez da peculiar gravação dum touro, dum pássaro ou duma abelha, naquela peça de prata estava gravada a cabeça da ninfa Aretusa, da célebre fonte de Ortígia, na colônia grega de Siracusa, na longínqua Sicília. No reverso, a estranha moeda representava um carro triunfal, com uma perfeição admirável Sinué explicou-lhe que aquelas moedas de prata estavam começando a circular em Siracusa e, de lá, pelo mundo todo, celebrizando a habilidade incomum dos siracusanos na cunhagem de moedas. Numa delas, a mais perfeita, estava gravado num canto o nome do moedeiro original, pois as moedas primavam pela ausência de inscrições. É verdade que nas estáteras de Corinto, – onde aparecia o célebre cavalo alado, Pégaso[31], símbolo da inspiração poética, – havia gravada a inicial K, do nome da cidade e o Φ (phi) indicava, assim, como a gravação duma foca, que a estátera[32] fora cunhada na Focécia. Mas, em geral, estáteras, dracmas e tetradracmas não traziam inscrição alguma.
Provido de recursos financeiros, Pitágoras resolveu empreender uma excursão a Salamina, do outro lado de Chipre, e, de lá, às cidades mais importantes da Fenícia. Arados, Biblos, Sídon e Tiro. Em Tiro tomaria uma galera fenícia, rumando diretamente para Canopos, uma das bocas no delta do Nilo. O ilustrado Sinué acompanhá-lo-ia até Tiro onde possuía uma fábrica de tecidos de púrpura. Infelizmente, seus deveres de grão-sacerdote de Ísis não lhe permitiam uma longa ausência, senão, dizia ele, havia de ir com Pitágoras até o Egito.

CAPÍTULO VIII
O porto de Salamina na costa meridional da ilha de Chipre oferecia um bom ancoradouro. Ali também se notava a influência fenícia, tanto nos templos como na Ágora, mas senti-se também a influência fenícia e egípcia, tanto na mistura dos cultos religiosos, como na indumentária do povo e no estilo das moradias. Em Salamina, segunda cidade da ilha de Chipre em importância, Pitágoras teve o horror de ver praticado o sacrifício humano. Todos os anos era oferecida uma vítima humana no altar de Zeus ou Júpiter, costume bárbaro que atestava a influência, pois um grego jamais imolaria um homem ao Pai dos deuses.
O templo de Zeus, num misto de estilo greco-egípcio, erguia-se no sopé da colina. Era o quinto dia da semana[33] , no solstício de verão. Como o templo é o palácio onde mora o deus, representado pelo seu ídolo, todo esplendor é pouco. A turba dos fiéis não tem ordem para penetrar no santuário. Só de longe vislumbram o relicário da imagem sagrada, um recinto fechado que recebe luz apenas por cima. Zeus estava representado por uma estátua magnífica de ouro e de marfim. Sentado, sua cabeça quase tocava o teto, tão grande ele era. Através das colunas, Pitágoras pode admirar o ídolo magnífico. Na cabeça, tinha uma coroa feita dum ramo de oliveira. Na mão esquerda, segurava um cetro onde estava pousada uma águia de bronze reluzente. Ladeavam-no suas filhas, as Graças e as Heras. No trono, era belo o contraste entre o ébano e o marfim. Pitágoras esperava que houvesse o costumeiro sacrifício duma cabra, ou duma ovelha, ou dum touro branco de chifres dourados. Ele e Sinué assistiam à cerimônia, de longe, no meio de devotos de Zeus. Chegou primeiro o sacrificador, todo vestido de branco e com uma coroa feita dum ramo de oliveira. Como sempre, seguiram-se os votos e as orações, com as oferendas de farinha, sal e incenso. A influência dos cultos asiáticos fazia com que as homenagens não parecessem completas sem efusão de sangue. Naquela tarde, em vez de touro branco, apareceu como vítima um jovem de seus vinte a vinte e cinco anos! O arauto ordenou silêncio. Os profanos foram afastados para uma religiosa distância. Os sacerdotes atiraram sobre a vítima, que parecia estar em estado sonambúlico, um punhado de cevada cozida, misturada com sal[34].
Depois desta consagração, o padre provou o vinho e passou-o a seus acólitos que o beberam a pequenos goles.  O resto do cálice foi derramado sobre a cabeça do jovem. Em seguida, ajoelharam-no diante do altar, enquanto os sacrificadores acendiam o fogo votivo. Um deles, com gesto firme, ergueu o  machado e degolou a vítima, de um só golpe. O sangue foi colhido em t aças consagradas e o cadáver foi queimado em holocausto, debaixo dum silencio religioso e opressivo. Petrificados de horror, o samiano e o egípcio tiveram de assistir à cerimônia até o fim, pois seria um desacato perigoso tentar varar a multidão para sair do templo. Aquela gente prestava a Zeus, um culto parecido com o dos fenícios a seu deus Molóque, – símbolo do Sol que vivifica. A única diferença é que à cerimônia não se seguiu nenhuma orgia de bebedeiras e danças desenfreadas, como acontecia quando ofereciam crianças em holocausto ao terrível Molóque, atirando-as em fornalhas ardentes, próximas ao altar. Mesmo imoral, era preferível o culto licencioso a Afrodite, Vênus, Erícina, Citeréia, Astartéia ou Milita, – nomes vários da deusa da Beleza e do amor. Também pareceu muito estranho a Pitágoras que um grupo de vendedores fenícios rodeassem os fiéis à saída do templo, oferecendo-lhes pequenas miniaturas da imagem de Zeus e amuletos variados. Sinué já conhecia este costume que se espalhava rapidamente pelas costas do Mediterrâneo e do mar Egeu, dando um enorme lucro aos especuladores fenícios. Os bétilos, - pedras sagradas, olhadas como a morada do deus, – eram vendidos aos punhados, à guisa de amuletos.
Aquela cena indignou Pitágoras, porém o sábio Sinué, mais experiente pela idade e pelo estudo, defendeu os costumes e os deuses fenícios. Gente prática, não tinham eles nenhum misticismo. A religião é como uma roupa que toma a forma de quem a veste! O Baal fenício que correspondia ao Bel dos Caldeus e aos Zeus grego, tinha de assumir um caráter fenício.  Esta individualidade chegava ao ponto de cada cidade fenícia ter o seu Baal com uma fisionomia especial. O Malkarte ou Molóque da cidade de Tiro era muito semelhante ao Hércules grego. A ele atribuíam todas as grandes descobertas inclusive o alfabeto. Não! Pitágoras não devia fazer mau juízo dos fenícios. Supersticiosos, acreditavam que o sacrifício duma vida humana faria com que Zeus ou Baal alisasse as ondas do mar sobre as quais viviam muito mais tempo do que em terra! Expostos a mil perigos, sentindo mais do que ninguém como a vida passa depressa, entregavam-se ao culto licencioso de Astartéia, ou Milita, ou Afrodite, ou Vênus, – que tudo era uma deusa só, – afundando-se na orgia quando não afrontavam a morte. Um grego não poderia julgar um fenício por seu padrão grego. Os fenícios eram rudes, de paixões violentas, e, portanto, emprestavam a seus deuses os atributos que encontravam em si próprios.
Caminhado pelas ruas de Salamina com seu jovem amigo, Sinué ia pensando alto. O grão-sacerdote de Ísis estava convencido duma coisa: egípcios, caldeus e fenícios deviam ter uma mesma origem, talvez uma misteriosa Poseidônis ou Atlântida, da qual falavam os livros sagrados de Mênfis. Diziam os livros que na misteriosa ilha desaparecida, os homens adoravam o Sol e a Lua e, práticos em artes mágicas, sabiam magnetizar pedras transformando-as em poderosos amuletos... Todas as religiões se igualam neste íntimo sentimento de que a alma humana não pode perecer e que, portanto, deve existir um mundo de Além-Túmulo... O fenício não dava para sonhador nem para poeta; deu para supersticioso! Quando olhava para o céu, à procura da Estrela Polar, – que adorava porque o guiava em suas peregrinações pelo mar, – não sentia a beleza magnífica da noite enluarada, mas imaginava que do céu lhe poderia vir auxílio e assim criou sua Religião. Os campos férteis, as árvores em flor, as montanhas cobertas de florestas, – fontes de ganho!   Pareciam-lhe morada de divindades benfazejas... Onde estaria a verdade?... Nos templos de Ísis e Osíris, ou nos templos de Zeus e de Hera (ou nos de Baal e Astartéia?), Sempre o fogo sagrado do Espírito divino simbolizado pelo Sol, e a taça da Vida e do Amor, simbolizada pela Lua...
Pitágoras ouvia o solilóquio, quase balbuciado, do velho sábio grão-sacerdote de Ísis e perguntava a si próprio: “Onde estará a verdade?...” E era para buscá-la que se dirigia às terras do Egito.
Viajando pela Fenícia, Pitágoras compreendeu ainda melhor a psicologia daquele povo essencialmente navegador e negociante. A Fenícia se diria melhor uma série de portos espalhados pelo mundo do que mesmo uma nação. O nome de heróis fenícios figura constantemente na história dos primeiros tempos da Grécia, prova de que a contribuição fenícia foi enorme para a civilização grega. Se os gregos beberam sua Arte e sua Ciência no Egito e na Caldéia, foram os fenícios que os levaram ao precioso manancial! Estranho destino o da Fenícia: sem nunca ter possuído uma civilização própria, sem ter tido Arte sua oi Ciência, foi ela quem levou a civilização aos pontos mais remotos da terra. Sua ação na história da civilização do mundo foi a dum mero instrumento propagador, na qualidade de navegadores e de negociante. Os fenícios foram quem ensinou a cerâmica egípcia ou caldaica às populações primitivas do mar Egeu que constituíram, mais tarde, a nação grega.
A situação topográfica da Fenícia obrigou seu povo a ser navegador. A estreita faixa de terra espremida entre a cadeia do Líbano e o mar não poderia conter a população fenícia se estes não vivessem mais no mar do que em terra! Penhascos, vales estreitos e colinas abruptas a buscarem o mar, torrentes formadas pelas neves que se derretem, secas terríveis quando só fica água nos poços e cisternas, – isto é a Fenícia. Ainda na galera que os conduzia a Arados, Pitágoras pode admirar as florestas densas cobrindo as montanhas distantes... Era célebre o azeite finíssimo e o precioso vinho da Fenícia. Ao longo do costão rochoso, de longe em longe, se projetavam promontórios ou ilhas, formando portos naturais. Arados estava construída sobre uma ilhota e tinha um aspecto “sui-generis” com suas casas de oito andares, devido ao problema do espaço. E que lhe importava o espaço exíguo, se o mar imenso lhes servia de morada? Arrojados, dobravam as colunas de Hércules em busca do estanho das Cassitérides[35] no mar Exterior onde só eles se aventuravam. Dum mar ainda mais distante e misterioso[36] traziam o âmbar precioso e raro. Tão grande coragem merecia que os fenícios crescessem em prosperidade e riqueza.
Sinué explicava a Pitágoras como os fenícios estavam se aproveitando da situação política do mundo, naquele período em que os faraós egípcios estavam tentando estender seu território pela conquista das terras vizinhas. As montanhas e o mar eram uma fortaleza natural que protegia as ricas cidades fenícias contra a ambição dos conquistadores. Enquanto as nações de Canaã serviam de campo de batalha, a Fenícia enriquecia ainda mais, vendendo material para as máquinas de guerra e provisões e mercadorias e tudo o mais, inclusive seus navios e seus marinheiros! Por meio dum imposto pago ao governo egípcio, os mercadores fenícios comerciavam livremente pelo vale do Nilo até os confins da Etiópia. Enquanto o mundo civilizado gemia sob o jugo de tiranos ou invasões de conquistadores, Sídon e Tiro aumentavam cada vez mais suas frotas e, com elas, suas riquezas. Suas caravanas andavam por toda a parte. Sídon e Tiro eram incontestavelmente as metrópoles comerciais daquele tempo! Devassando zonas desconhecidas, desde que fossem ricas e exploráveis, o gênio comercial dos fenícios fá deixava um entreposto que, com o tempo, ia se transformando numa cidade importante. Porém, a maior dádiva que fizeram ao mundo, – assim dizia Sinué – foi a simplificação dos complicados hieróglifos que constituíam a escrita egípcia, transformando-os num alfabeto de uso ultra-prático, de enorme alcance social. E, movida pela única preocupação de ter sinais para sua escrituração mercantil, aquela gente dava à Ciência um meio de divulgação e perpetuação. Era admirável! Dos 22 sinais fenícios, simplificação dos hieróglifos, nascera o alfabeto grego. Sinué suspirava:
– É bem verdade que há uma alma de bondade até nas coisas más... Avarentos, astutos e ambiciosos, os fenícios prestam um grande serviço à Humanidade! Chegam a ponto de afundar os seus navios quando percebem que uma embarcação os segue em suas misteriosas rotas pelo mar!...
Apontando para o costão fenício, Sinué comparava-o a um anfiteatro de verdura, desde o mar até os altos cumes do Líbano. E não havia um só palmo de terra que não estivesse cultivado. Nada como a paixão do ganho para incitar o homem ao trabalho...
Para Pitágoras, a chegada em Arados foi uma experiência inesquecível. Na ilhota abrupta, um amontoamento de casas pesadonas, notando-se nos edifícios, cisternas e lagares uma única preocupação: a solidez. Os olhos do samiano em vão procuravam beleza naquela arquitetura misturada. Havia construções talhadas na rocha viva, – blocos enormes, gigantescos e brutais, desafiando o tempo... Alguns templos ostentavam os belos tijolos esmaltados trazidos da Mesopotâmia e esculturas representando o célebre touro alado com a cabeça de homem: majestoso, enorme, como que montasse guarda à entrada.
A ilhota se erguia a uns setenta estádios da costa e o problema do abastecimento de água era resolvido por meio de cisternas onde se recolhiam as águas da chuva. No canal entre a ilhota e a costa havia uma fonte de água doce, jorrando do fundo do mar. Esta servia para abastecimento em tempo de guerra. Como retirariam eles a água? Pitágoras pagou um bom preço para poder sentir à demonstração. Mergulhadores hábeis deitavam ao mar um sino de chumbo, em cuja extremidade superior havia um comprido tubo de couro.  A boca do tubo era aplicada ao orifício da fonte. A água, assim canalizada, subia pelo tubo acima, pura e fresca, Em face da cidade de Arados, superlotada, na linha da costa, estendia-se várias povoações, cheias de agitação e burburinho.
Se os fenícios não tinham arquitetura, em compensação excediam-se nas artes industriais. Pitágoras caminhava de surpresa em surpresa. As fábricas de vidro e faiança produziam garrafas, púcaros e taças transparentes de linhas perfeitas e de colorido harmonioso, incomparável. Nas encostas alpestres do Líbano, os ricos tinham suas vivendas, fugindo ao bulício da zona fabril.
Depois duma certa estadia em Arados, Sinué e Pitágoras desceram o costão numa velocidade trirreme e rumaram para Biblos, ansioso por presenciarem a festa em honra de Adônis. Estas festividades públicas representavam o melhor meio para se conhecer o povo e seus costumes, e Pitágoras apreciava-as imensamente.
A grande entrada das caravanas estava literalmente cheia pelo povaréu. Os dois viajantes puxaram conversa com um modesto e ingênuo operário inquirindo sobre a festa de Adônis. Quem era Adônis? Era um jovem príncipe, nascido nos confins da Arábia, belo como os mais belos. Fugiu de sua terra e veio refugiar-se na corte de Biblos onde foi muito bem recebido. A deusa Afrodite apaixonou-se por ele perdidamente, esquecendo seu amor por Ares ou Marte, o deus da guerra. Este não perdoou a traição de sua amada e, para vingar-se, mandou um javali feroz perseguir Adonis quando este caçava nas florestas do Líbano. A fera feriu mortalmente o belo caçador e Afrodite, desesperada, ainda tentou lavar as  feridas do seu amado nas águas límpidas do rio. Desde esta ocasião é que as águas costumam tingir-se de vermelho. O homem simples estava convencido de que era devido ao sangue de Adônis que o rio se tornava rubro. A cidade toda preparava-se para luto e lamentações. Pelas ruas, as sacerdotisas batiam nos peitos, em sinal de grande angústia. Neste dia de magia oficial, as sacerdotisas costumavam raspar a cabeleira ou a honra. Algumas havia que preferiam o último alvitre...
O espetáculo da procissão era realmente imponente. A grã-sacerdotisa de Afrodite abria o caminho, carregando um simulacro do belo Adônis, seguida de perto por um cortejo de moças e mulheres com cestas cheias de pirâmides de doces, ou cestas de frutas, ou flores, ou turíbulos onde queimavam perfumes. Mais atrás, um andor carregado também por mulheres. No andor. A bela imagem do semi-deus, deitado, pálido como um legítimo cadáver. O cortejo fúnebre passeou pela borda domar, ao som de hinos lamuriosos e ternos. Apagaram-se as tochas. Durante três horas fez-se um silêncio pesado no meio das trevas. Afinal chegou-se a um hierofante[37] armado dum archote duplo. Vinha correndo, esbaforido. Foi untado de óleo os lábios dos fiéis ali pressentes e lhes dizia ao ouvido, muito em segredo: “Ele ressuscitou...”
Então, a tristeza foi substituída por uma alegria turbulenta espetaculosa. Dançaram, cantaram, banquetearam-se ao som das flautas e das liras. Vararam a noite festejando. Excetuando a festa de Adônis, pouco havia que ver na cidade que os fenícios chamaram de Gebel e os gregos, de Biblos.
Sinué contou a Pitágoras que Biblos se gabava de ser a cidade mais velha do mundo. Seus habitantes julgavam que o deus El (o Sol) a tinha construído no começo das idades, um pouco mais para o interior, afastada do mar. Gebel era a terra santa de Adônis, cheia de templos e monumentos consagrados a este culto. A ela afluíam peregrinos de toda a Síria. Nas cabeceiras do rio Adônis ficava o santuário mais venerado dentre todos, cercado de altos rochedos. A doçura do ar e a beleza da vegetação impunham, no espírito do povo uma sensação de serena santidade. É fácil ser religioso quando a Natureza se expande em tão grande beleza...

CAPÍTULO IX
Pitágoras não se lembrava absolutamente de Sídon, a cidade fenícia onde tinha nascido. Sua curiosidade para conhecer a velha metrópole que tinha sido a primeira capital da Fenícia era enorme. É de supor que Sídon seja ainda mais velha do que Tiro, pois era costume dar-se aos fenícios o nome genérico de sidonianos. Os tempos de seu nascimento perdiam-se na penumbra da lenda que mostrava os primeiros habitantes como pescares ou simples pastores. Sobre eles se impôs a influencia de estrangeiros que a tradição diz, vagamente, terem vindo das costas do mar Eritreu[38] talvez que algum grupo desmembrado da velha Suméria[39] onde se adotava o Sol como astro e como deus, adotando fórmulas de magia num culto supersticioso. Sinué esboçava para Pitágoras as origens remotas desta gente antiqüíssima, dizendo que, quando Tróia[40] foi destruída pelos gregos, os sussmérios-acadianos há mais de 3.000 mil anos já tinham uma civilização adiantadíssima, na costa do mar Eritreu. Donde tinha vindo eles?... Era um mistério. Velhas tradições consideravam-nos como vindos do Mar Cáspio ou do Mar Hircaniano, como o chamavam os asiáticos, mas ninguém pudera penetrar nas trevas profundas de sua origem. Seriam eles os gigantes cuja tradição permaneceu?... Havia em Sídon um túmulo multissecular onde estava enterrado um desses antepassados de estatura quatro vezes acima do normal...
O fato é que estes súmero-acadianos tinham vindo insuflar civilização e progresso naquelas aldeias de pescadores que bordejavam as praias confinadas pelo Líbano; Do caldeamento destas raças, nasceu a gente de Sídon e da Fenícia toda que, aliás, se resumia numa cadeia de cidades isoladas entre  si pelo costão abrupto: Arados, Gebel que os gregos chamavam de Biblos, Berito, Sídon, Tiro e Aco...[41]
Para Pitágoras era um prazer a companhia do grão-sacerdote de Osíris que parecia uma enciclopédia viva. Contava ele que a ente as Suméria tinha encontrado nas costas da Fenícia umas populações turbulentas e bárbaras que podiam dividir-se em duas classes distintas: os pescadores à borda do mar, vivendo de peixe quase exclusivamente e os que viviam na montanha, pastores. A tradição dizia que estes montanheses conheciam um fio produzido por uma lagarta[42], mais precioso que a fibra produzida pelo linho. O curioso animal alimentava-se exclusivamente das folhas das amoreiras tão profusas em Sídon. Sinué não compreendia por que não tinha desenvolvido esta indústria antiqüíssima. Pitágoras inquiriu se não seria o mesmo fio que a gente da ilha grega de Cós[43] começava a tecer, negociando com vantagem o tecido. Sinué acenou afirmativamente com a cabeça. Sim. Era isto mesmo! Porém em Sídon, os casulos serviam apenas de divertimento para os meninos que se divertiam pelos bosques, à cata das amoras saborosas. Era uma pena.
Com o mesmo encantamento que Partênis tinha sentido há dezoito anos atrás, quando, com Mnesarco, tinha vindo a Sídon a mandado do oráculo de Delfos, Pitágoras viu a velha metrópole encarapitada na montanha e espreguiçando-se até a praia onde se estendia, na face sul, num porto magnífico construído pelos egípcios. Havia mais de mil anos que Sídon era uma cidade importante. Perdera sua qualidade de capital da Fenícia, desde que os filisteus[44] a tinham invadido e saqueado literalmente[45], mas não perdera seu comércio intenso e refizera de todo suas riquezas incontáveis. Os montanheses nunca mais se preocuparam com suas lagartas, porém aprenderam a tecer o linho e o algodão com uma perfeição incrível.
Visitando as cidades e suas indústrias, Pitágoras pode verificar que o grande poeta Homero não tinha recorrido a exageros quando teceu justos elogios ao artífice fenício. Como eram hábeis! Trabalhavam com perfeição tanto no cobre, como na madeira, na pedra, no bronze, no barro ou nos teares! Não havia bronze melhor temperado que o sidoniano!
O experiente Sinué sabia enxergar o reverso da medalha e chamava a tenção do entusiasmado Pitágoras, para o baixo nível moral da cidade cosmopolita onde desenvolviam todos os cultos da terra, mas onde, em realidade, só se cultuava o indigno bezerro de ouro! O sacerdote de Isis lembrava que, se Mercúrio[46] – que os gregos conheciam por Hermes, que significa intérprete ou mensageiro, – era o deus do Comércio que une os homens, também era uma divindade cheia de defeitos! Entre estes defeitos ressaltavam-se a falta de escrúpulos e a mania de roubar! Sinué afirmava sorrindo:
– O comércio enriquece as cidades, porém é uma fonte de corrupção. A vontade e a capacidade de trabalho geralmente amolecem quando mergulhadas no luxo e na comodidade... Sídon é uma  cidade aberta a todos os cultos...
Pitágoras gracejou:
– O senhor mesmo sempre afirma que há uma alma de bondade nas coisas más!... Contentemo-nos em admirar as belezas de Sídon, sem lhe considerarmos as falhas.
O grão-sacerdote retrucou no mesmo tom:
– Vá lá, por esta vez. Não me esqueço de que Pitágoras nasceu em Sídon.
As moralidades dos ricos eram sempre cercadas por jardins e pomares de frutos saborosos: romã, laranja, abricó, figo, ameixa e amora. Um dos produtos de exportação eram as frutas secas. Uma das maiores riquezas era o cedro do Líbano. Não havia água encanada como nas cidades gregas. No bairro dos ricos, havia um aqueduto para irrigação dos pomares e jardins das residências de recreio das casas em estilo oriental. No interior das residências ricas encerrava mobiliário dos mais variados em estilo, trazidos de todas as partes do mundo. Pitágoras notava que o estilo egípcio predominava com seus traços severos e simples. Outro hábito interessante entre os potentados era o de finalizarem o jantar com uma sessão de música que consistia em cânticos executados pelo “linus” – nome que os fenícios davam a seus poetas-cantores.
Depois de tão longa viagem, Pitágoras achou excelente o pão de Sídon, ao mesmo tempo leve e nutritivo. O mais interessante, porém foi a visita que fez às fábricas de vidro, a maior indústria sidoniana. Transparentes, coloridos, de formas caprichosas, as taças, espelhos e garrafas mereciam realmente a fama de que gozavam, como objetos de grande luxo. Entretanto, se fabricavam do bom e do melhor, também tinham uma indústria de carregação, grosseira e mal feita. Pitágoras soube que os fenícios tanto se preocupavam em negociar com os donos de bolsas recheadas e de gosto requintado como os bárbaros habitantes da longínqua Ibéria, da Itália e da Ligúria.[47] Os sidonianos aprenderam a arte de trabalhar em vidro com os egípcios e, como sempre, comercializaram a indústria, divulgando-a.
No caminho de Biblos para Sídon, os dois viajantes tinham parado sete dias em Berito. [48] A jornada fora feita por terra, contornando o mar, passando por um caminho cheio de sepulturas fenícias; na rocha viva talhavam uma imagem grosseira do defunto, com uma inscrição.
Abundavam vinhedos e olivais. Sabiam conservar a uva e assim a exploravam. Berito surgiu dum dossel de verdura franjado pelas ondas espumosas domar e apoiada nas montanhas donde lhe descia a água, abundante e fresca.
Sinué estava agora com pressa. Havia quase um mês que estavam jornadeando por terras da Fenícia e seu filho o esperava em Tiro para decidirem um carregamento de púrpura encomendado pelo rei da Lídia. Rumaram de barco para Tiro.
Pitágoras nunca viu outra cidade que lhe parecesse mais imponente que a capital da Fenícia, construída sobre uma rocha enorme e alcantilada que se projetava pelo mar adentro. Semelhava um navio gigantesco, imóvel no meio das ondas irrequietas. Naquela ocasião a grande metrópole gozava duma paz agravável e frutuosa, numa trégua temporária aos assaltos costumeiros dos povos fortes da época, que invejavam a riqueza incontável de seus bazares. Entretanto, a velha Tiro sempre se saía bem das guerras a que era forçada, graças à sua privilegiada topografia e aos seus recursos internos, podendo resistir a cercos demorados que acabavam por desanimar os agressores. Nem mesmo os assírios, os guerreiros mais temíveis e aguerridos da época, tinham podido submetê-la, mas davam-lhe longas temporadas de angústia e sacrifícios.
Pitágoras teve uma desilusão ao penetrar na cidade. Pareceu-lhe superpovoada e não lhe agradou a pressa dos seus habitantes, ávidos de ganhos. Como sempre, Sinué fazia as honras da casa, como se costumava dizer. Notava-se que o sacerdote de Ísis tinha uma certa predileção por Tiro. Mas Pitágoras se impressionou particularmente com a situação dos pescadores do marisco do qual os fenícios extraíam a púrpura, [49] cuja cor se torna mais viva e mais brilhante ao contato da luz.
Estes mergulhadores viviam num bairro à parte, miseráveis e sacrificados. Os Mariscos tinham de ser apanhados vivos, pois assim davam uma cor mais forte, vermelha como o sangue ou dum azul arroxeado como as pétalas das violetas. O bairro tinha um mau-cheiro insuportável. Os ricos tinham o cuidado e morar bem longe daqueles lugares infectos, onde os moluscos os enriqueciam à custa dos sacrifício dos necessitados.
Apesar de muito bem recomendado por Sinué, negociante de tecidos, os chefes das fabricas não permitiram que Pitágoras os visse preparar a preciosa tintura, cujo segredo mantinham ciosamente. O próprio Sinué apenas conjeturava como era preparada a tintura do molusco, contentando-se em negociar o tecido que se tornara um símbolo de riqueza e poder. Se dois homens fossem discursar perante o povo, aquele que trajasse púrpura seria mais atendido. O monopólio da púrpura era a maior fonte de renda da Fenícia. Pitágoras, portanto, teve de contentar-se em examinar o molusco horroroso, de cabeça pequeníssima e pernas muito curtas, morador duma concha muito feia, toda enrugada. Montões destas conchas iam se acumulando nos arredores de Sídon e Tiro e Sinué predizia:
– Daqui a umas dezenas de séculos estes montões de conchas vão se transformar em penhascos. [50]
Sinué contava a Pitágoras que na ilha de Citera havia tanto daqueles moluscos e era tão intensa a indústria fenícia da púrpura que os marinheiros a conheciam por ilha Purpréia. [51] Quando viu Pitágoras afastar-se horrorizado daquele ambiente de sujeira e odores fétidos próximo às grandes fábricas, o grão-sacerdote ralhou com ele. Era mau aquele sentimento extremista! Afinal de contas aquele comércio era a base da organização social da Fenícia! Era preciso que Pitágoras procurasse achar a alma de bondade nas coisas más, e a alma de verdade nas coisas erradas! Os fenícios, navegadores intemeratos e viajantes impertérritos, iam levando a civilização aos pontos mais remotos do Mar Interior, colonizando-os graças aos entrepostos comerciais que iam criando.
Pitágoras comentou enojado:
– É uma gente que negocia tudo!... Não posso esquecer que nosso grande poeta Homero, filho dum príncipe, foi rapado por piratas fenícios e vendido como escravo.
Sinué respondeu sorridente:
– Este é o reverso da medalha. Enquanto você só se lembra de que os fenícios são ladrões de crianças, eu os encaro como artífices habilíssimos, frugais, industriosos, trabalhadores e, sobretudo, duma coragem sobre-humana... Roubam os incautos e enganam os tolos! Um marinheiro fenício contou-me que, na Bética[52] a prata existe numa abundancia tal que seus veios chegam a aparecer à flor da terra. Os bárbaros de lá sabem o que fazer com este precioso metal. Será injusto que os fenícios troquem a prata da Bética por mercadorias de pouco valor? Contou-me o marinheiro que o piloto teve uma idéia: trocou a âncora de chumbo dos barcos por outra de prata, aumentando assim o carregamento! E a gente de Bética também sai ganhando, pois recebem objetos que lhes são muito mais úteis que a prata que não sabem aproveitar!
E Pitágoras não teve argumento para refutar esta lógica, mas continuou repugnado por aquele povo sem sentimento patriótico ou religioso, – pois que a religião deles era mais superstição e magia do que mesmo um culto, – dominado apenas pelo senso comercial e industrial... Em Tiro, superpovoada, viam-se aquelas casas de aspecto pouco agradável, com seis a oito andares. Todas iguais, sem belezas arquitetônicas, no telhado um terraço onde costumavam fazer a refeição da tarde. Os muros da cidade com cento e cinqüenta pés gregos[53] de altura, constituíam-se de grandes blocos de pedra ligados por um cimento branco, abrangendo um círculo de vinte estádios[54]. Construída sobre um rochedo, os jardins e pomares medram sobre a terra trazida de longe, atestando a inteligência e o trabalho dos homens. No alto das muralhas de defesa, Pitágoras estranhou a imobilidade dos que lhe pareceram sentinelas, empunhando arcos e flechas. Explicaram-lhe que eram estátuas, simbolizando as divindades tutelares do lugar, sempre de atalaia em proteção a cidade.
As cisternas de Tiro são profundíssimas, uma delas cavada a uns cinqüenta metros do mar. O abastecimento de água para a cidade populosa representava um sério problema.
O traje das feníceas era bem diferente da túnica elegante das gregas. Lembrava um camisolão que lhes ia até os calcanhares. Quase todas usavam um colar que semelhava uma cobra. Aquela jóia chamou a atenção de Pitágoras. A serpente unia a cauda à boca e pendia sobre o colo das mulheres de Tiro, geralmente com um rubi pendente, à guisa de fecho. Sinué encarregou-se de explicar-lhe o fato. O culto à serpente era antiqüíssimo. Pitágoras o encontraria desde as remotas regiões da Índia, até o Egito e a Grécia. Em Tiro, o noivo oferecia à sua amada o colar de serpente com um rubi na boca, como um penhor de amor. Aliás, na Grécia, o deus Asclépios ou Esculápio era representado no seu santuário em Epidauro[55], sob a forma de uma serpente. Pitágoras devia saber que no santuário do deus da Medicina e da Cirurgia criavam serpentes, pois o deus costumava aparecer sob esta forma.  Em Tiro havia um templo a Asclépios onde o deus estava representado em mármore e ouro, tendo ao seu lado a filha, a deusa Higéia[56] que vela pela saúde dos mortais, ensinando-lhes remédios e alimentos apropriados. Seguindo o costume grego de erguer os templos de Asclépios próximos às fontes  de águas termais, ou no alto das montanhas, o santuário de Tiro era perto duma enorme cisterna. Ali também afluíam doentes de toda parte e dotavam o costume de dormir no santuário (“incubatio”, donde vem a palavra incubação), crentes de queo deus lhes daria uma receita em sonhos. As curas eram profusas, a julgar pelo número de tábuas votivas onde os doentes curados deixavam seu nome com uma descrição da moléstia debelada pela sabedoria de Asclépios. Ao deus da Medicina era costume sacrificarem-se galos. O galo, a serpente e a tartaruga eram símbolos da prudência e da vigilância necessárias aos médicos. Aqueles colares das mulheres fenícias eram nada mais, nada menos que um amuleto para preservá-las de doenças e perigos. Quando encontravam cobras á beira dos rios, lagos, fontes ou cisternas, julgavam o repugnante réptil como um espírito que tivesse tomado aquela forma.
Aliás, muitos heróis gregos eram filhos da serpente! Quando um homem rico morria sem deixar herdeiros, na caverna ou no poço onde guardava seus tesouros costumava aparecer uma serpente, guardiã das riquezas. O espírito do morto tomava aquela forma para defender seu ouro e suas pedrarias! Pelo menos foi essa a explicação que uma mulher fenícia deu a Pitágoras quando este a interrogou, movido pela curiosidade.
Em Tiro e nas outras cidades fenícias, os sacrificadores eram sempre bons cozinheiros. Aquela gente de espírito prático não havia de esperdiçar a carne das vítimas oferecidas aos deuses! Transformavam-na em opíparos jantares.
O rei de Tiro naquele tempo era Baal II, cuja corte vivia a vida de sempre: luxo, festas, prazeres. Pitágoras preferiu manter-se incógnito e não visitar o rei. A ele interessava muito mais os mitos e as idéias religiosas do povo.
Sinué aconselhou-o a fazer a viagem ao Egito por terra, seguindo a rota das caravanas que vinham da Gerra, na Caldéia, até Tiro, mas Pitágoras estava ansioso por chegar ao Egito e preferiu lá entrar pelo braço Canópico [57] , descendo o rio até Náucratis, o porto que o faraó Amásis tinha franqueado aos gregos. Seria uma viagem mais rápida e, portanto, mais confortável.
Sinué e Pitágoras despediram-se em tiro e o grão-sacerdote deÍsis deu-lhe uma carta de apresentação para o grão-sacerdote em Mênfis e para o capitão-da-guarda do palácio do faraó. Era o mais que podia fazer. E já era muito!

CAPÍTULO X
Pitágoras travou uma grande amizade com o piloto fenício da galera em que tinha embarcado. Zaru era um sidoniano inteligente, filho dum mercador fenício e uma escrava grega, mulher instruída que soube ajudar muito no desenvolvimento intelectual do filho. O piloto Zaru unia as qualidades práticas da raça paterna aos atributos de mais finos sentimentos peculiares à raça grega. Sentado à proa da galera, nas horas mortas da noite serena, à luz baça duma lâmpada de azeite, vigiava a rota de seu barco e lia, lia muito, quantos papiros pudesse obter, conhecendo muito bem tanto os caracteres cuneiformes dos assíorios-babilônios, como os hieróglifos egípcios que os fenícios tinham simplificado com tanto discernimento que, daqueles sinais gráficos, os gregos tinham feito seu alfabeto. Zaru era duma convivência agradabilíssima, especialmente para um jovem estudioso e meditativo como Pitágoras. A viagem de Tiro ao braço Conópico durou dez dias em rota batida, afastados da costa para conveniência da navegação. Nem Pitágoras nem o mestre-piloto sentiram a monotonia das horas, palestrando incansavelmente.
Zaru comentava que a História da Humanidade era toda tecida em mistérios e lendas, mas que ele estava convicto de que sob aquela capa nebulosa e imprecisa escondiam-se realidades irrefutáveis. Não era apenas a Vontade Humana que dirigia a Humanidade! Aquilo que os gregos chamavam de Destino e adoravam como um deus cego e inexorável, filho da Noite e do Caos era a força que guiava os homens para a Civilização e para o Progresso. A Religião era uma necessidade para o Homem poder explicar o inexplicável e o mistério da vida favorecia o mistério dos deuses. O sentimento religioso era um agente do Destino, freando as paixões humanas... Os deuses nada mais são do que símbolos e os estudiosos que queiram meditar sobre os mitos que parecem ingênuos, infantis ou absurdos à primeira vista, descobrirão na Mitologia toda a Ciência concentrada... A cosmogonia[58] ideada por Tales de Mileto, Anaximandro e outros está expressa na religião através dos mitos! Zaru explicava: a massa infinita que Anaximandro tinha imaginado como ponto originário do Universo construído em vários mundos, nada mais era do que o Caos, a divindade rudimentar, porém capaz de fecundidade. Do Caos nasceu a Noite, – a deusa do Destino, da Morte, do Sono, da Miséria e de todo o mais que aflige e punge a Humanidade. Da noite, nasceram o Éter ou os Céus e o Dia (em grego: Hemera), isto é, as trevas precederam a criação dos céus e da luz. Uma força divina presidia a estas uniões e separações que iam dando uma forma ao Caos indefinível. Eros, – o deus do Amor, – unia os elementos simpáticos. Anteros, – a força que se lhe opunha, – separava os elementos que se repeliam[59].
Pitágoras estava interessadíssimo por aquelas interpretações. Interrogou:
– E a Terra?
– A Terra, que vocês gregos chamam de Gaia, é a mãe universal de todos os seres e diz a religião que ela nasceu imediatamente depois do Caos e desposou Urano os Céus, engendrando deuses e gigantes, o bem e o mal, a virtude e o vício. Repara como a mitologia se parece com a teoria de Anaximandro. Ela afirma que o Homem nasceu da Terra embebida em água e esquentada pelos raios de Sol! Quando o homem morre, sua mãe venerável recebe-o em seu seio. Entretanto, no Homem vibra a centelha imortal do espírito, pois é um composto de matéria e força, ou melhor, corpo e alma, – um complexo de todos os elementos que compõe o universo.
Sim! A Mitologia era uma fonte para a Ciência e para a Filosofia, – afirmava Zaru. Antes de Zeus ou Júpiter apareceu, – ele que é o Pai dos deuses, – foi preciso que a ordem começasse a se impor ao Caos, que o dia se fizesse e que o Céu e a Terra se unissem... Quando Pitágoras fosse estudar num templo egípcio, havia de ter uma enorme surpresa encontraria na Mitologia do Egito os mesmos deuses que na dos gregos, – apenas com nomes diferentes... A voz da Intuição é sempre a mesma em todos os homens em todos os tempos! E esta voz atesta que a Vida é Imortal e que se manifesta no Homem para levá-lo às grandes realizações que só o Espírito pode engendrar! Zaru repetia:
– O que a religião chama de Destino, creio eu que é apenas um programa de evolução, preestabelecido pela Força que dirige o Universo.
– Mas de onde viemos nós, os homens, e para onde vamos?
Zaru respondeu:
– Este enigma é insolúvel e perturbador. Mesmo que alguém o possa solver com o sentimento, nunca saberá exprimi-lo em palavras, ou demonstrá-lo pela compreensão. Viajei pelos quatro cantos da terra. Conheço os iberos e os gregos, de pele branca e cabelos escuros. Nas ilhas que se perdem no Mar Exterior[60], muito além das colunas de Hércules[61], vi homens de pele branca e cabelos claros como espigas douradas. Conheço a gente do Egito, de pele cor de cobre e feições finas e já vi os líbios, tão negro como o ébano... Quando eu era bem jovem acompanhei meu pai a uma viagem à longínqua Sérica e à misteriosa Catai[62], atravessando a Pérsia e a Índia através de mil e um perigos. Vi gente de todos os tipos, até mesmo de pele amarela e olhos sumidos dentro de pálpebras repuxadas, – raças das mais diversas possíveis. Mas creio firmemente que todas tiveram uma origem comum que os sábios, com o correr dos séculos, hão de poder provar cientificamente. A Humanidade é uma família que caminha, aparentemente desunida, para destinos gloriosos de luz, de sabedoria e de fraternidade!
Baixando a voz e espreitando para todos os lados, Zaru cochichou ao ouvido de Pitágoras:
– Tenho comigo um rolo de papiro que trouxe da Índia. Conta coisas como estranhas, na língua deles, o “sânscrito”, aliás, bastante semelhante à língua grega. Um sacerdote verteu-mo para o fenício. Quer lê-lo?
Que pergunta! Os olhos de Pitágoras fuzilavam de curiosidade. Zaru recomendava:
– Cuidado! Muito cuidado! O mercador fenício que roubou este manuscrito escondendo-o dentro duma urna funerária, foi misteriosa e tragicamente envenenado. Meu pai comprou todas as mercadorias que o morto levava na caravana. Achei o manuscrito por acaso... Ninguém sabe que está em meu poder. Sei bem que me arrisco a ter o mesmo destino de meu patrício se descobrirem que tenho o precioso rolo...
Pitágoras estava entusiasmado singularmente comovido. Mais ainda ficou quando, no secreto de seu beliche, à luz duna lamparina de nafta, deu com um manuscrito onde havia várias frases truncadas, carcomidas pelo tempo. Leu:
“Homem! Tu és eterno como o Deus que te criou. Decaíste pelo Pecado. Tens de subir de novo, por teu próprio esforço, impelido pela força de tua inteligência e pela pureza de teu coração.
Não confundas as roupas que te cobrem com o teu próprio corpo! Queres crer ou queres saber?...
A História de Humanidade é um grãozinho de pó dentro da formidável História da Terra.
O que hoje é terra outrora foram mares... E sobre os mares afloram o que resta de terras desaparecidas. No grande mar que se estende ao ocidente da Índia, houve um país enorme, agora subjacente nos abismos marinhos.
Ouve: a Eternidade não tem pressa. A vida humana é menos que um momento dentro da vida infinita do Cosmo...
A Humanidade é um ser coletivo, em tudo semelhante a um indivíduo: primeiro desenvolve um corpo que servirá depois para a manifestação das faculdades da alma e do espírito. Assim como o corpo humano leva sete meses para sés formar, assim também a Humanidade precisa passar por sete estágios até que chegue ao pleno desenvolvimento. Na evolução embrionária do homem, cada mês da um aspecto especial ao corpo... Só no quarto mês a forma humana fica bem delineada. No sétimo ficará perfeita e para o oitavo e o nono mês apenas um trabalho de acabamento no seio maternal.
Quando fores ao templo de Osíris, olha para o glifo[63] egípcio que representa as raças! Na mão aberta, o dedo mínimo está diminuído de metade. Abre os olhos e vê! Quatro raças já se desenvolveram, plenamente. Agora começa a subir a quinta raça, a meio caminho de sua evolução...[64]
Dos vales da Índia, do país dos Árias, saiu em ondas sucessivas, a quinta raça que está povoando o mundo. O número sete é sagrado! Cada uma das sete raças há de se dividir em sete sub-raças...

(Havia aqui uma enorme lacuna)

O primeiro Adão, [65] santo e perfeito, era como uma sombra que passa...
O segundo Adão andrógino tinha em os dois sexos...
O terceiro Adão era o Adão da terra... Houve então a separação de sexos, depois se passaram muitas e muitas gerações... Ouve: a Eternidade não tem pressa! Ele já conhece o Bem e o Mal, portanto merece o sofrimento... o Caos tornou-se o Cosmo; o Uno tornou-se Múltiplo e dos seres simples saíram os seres compostos... Homem, tu és eterno dentro da Eternidade da Vida! Homem, tua consciência jaz nas trevas da ignorância e da animalidade...

Nova lacuna
O que escondes tu, ó Noite impenetrável?... Quando os monstros anfíbios e as samambaias gigantescas se expandiam nos climas quentes e úmidos de terras hoje desaparecidas pelo fogo, os dragões perseguiam um Homem Gigantesco... Morcegos enormes eram derribados pelo seu braço possante. O Gigante de pele escura e rosto chato tinha três olhos: dois na testa mal definida e outro por trás da cabeça...[66]

Nova Lacuna

Que trazem estes doces rubores da aurora do Dia ainda por nascer? O Homem é apenas uma etapa num desenvolvimento que há de atingir a suprema manifestação do Espírito Imortal... O Homem representa a etapa em que o Espírito e a Matéria lutam pela supremacia, mas a vitória final há de ser do Espírito, – o Senhor da Vida e da Morte...
O Gigante aprendeu a fazer o fogo e a usar o sílex. De nômade passou a sedentário, cultivando o solo. Séculos e mais séculos de cultura resultaram nos cereais que hoje usamos: trigo, aveia, cevada e milho... Cobriam-se dom peles de animais. Estas eram quentes demais para certas regiões e, então, aprenderam a fiar e a tecer com fibras vegetais... A vida sedentária foi reduzida a estatura dos gigantes com o correr do tempo e... Os monumentos megalíticos são o que resta desta raça ciclópica. Adoravam o Sol, fonte de vida e tiveram suas cidades nas ilhas do Grande Mar, o maior de todos... Pelo fogo e pela sufocação foram eles destruídos em massa. A grande serpente mexeu-se no coração da terra e a terra tremeu, vomitando fogo e matérias incandescentes. Morreu a terceira raça porque deu seu fruto...
O Mar Exterior é imenso e tenebroso. Nas terras que banhava nasceu e cresceu a quarta Raça, a dos Atlântidas, para lá das Colunas de Hércules. O Oceano é um rio imenso que envolve o mundo terrestre. Filho do Céu e da Terra, o Oceano é o pai de todos os seres. Os Atlântidas vieram do gigante Atlas, neto do Oceano. Atlas conhece as profundezas do Mar[67] e carrega as altas colunas que descansam nos báratros[68] submarinos, sustentando o céu sobre a terra...
Se a terceira Raça foi destruída pelo fogo, a quarta Raça foi devastada pela água. Terras que se racham e desmoronam no mar, ondas imensas que cobrem as cidades, mares que abandonam seus leitos cobrindo as terras e deixando atrás de si desertos de areia, – ó Atlântidas, pagastes bem caro o crime de Prometeu!... [69] Para teimasse em provar do fruto da Árvore da Ciência? As águas despencaram sobre toda a terra... Pouco restou para que a Humanidade não desaparecesse da face do mundo, mas era apenas um fim de ciclo. Novo dia surgiu depois da noite. Os homens do passado deixaram um legado: o aço de Damasco, a púrpura de Tiro, o vidro transparente de Sídon, a pedra de Mênfis que anestesia a dor dum ferimento, o cimento que prende as muralhas ciclópicas[70] e o preparo do papiro. Os Atlântidas trabalharam séculos e séculos para as raças de hoje terem estas riquezas...
Estrangeiro que meditas aos pés da Esfinge[71] e das grandes pirâmides de Gizé, abre os olhos e vê! Onde está o deserto havia um mar e à sua borda os atlântidas do Egito ergueram as pirâmides, antes que as águas afogassem todos. Mas os dois monumentos tinham sido feitos para desafiar os cataclismas e os séculos. Estrangeiro, abre os olhos e lê no Grande Livro!...

UMA GRANDE LACUNA

A Humanidade que restou depois das grandes águas continuou seguindo os Caminhos do Progresso. Umas trilham o Caminho do Bem, pela Vontade, pela Sabedoria, pela Inteligência. Outros seguem para a frente pelo Caminho do Mal, pela Imitação, pelo Medo e pelo Ódio. Todos os caminhos levam para o Alto.
Que ficou das terras da Atlântida? Apenas uma ilha enorme no meio do Oceano. E o que resta dela? Apenas alguns picos que emergem em ilhas pequenas e alcantiladas. Assim passa e desaparece a glória e a grandeza do homem...
Para lá do mar, em terras do Ocidente, existe um resto da grande civilização que o dilúvio afogou. Esta gente de pele vermelha são os Filhos do Sol[72] e seu país é um paraíso de paz, de beleza e de prosperidade. Se o Faraó – o filho do Sol – governa no Egito, é um filho do Sol que governa a gente vermelha dôo extremo Ocidente. Eles são os irmãos dos egípcios, mas, segregados pelo oceano, conservam-se mais puros. Como seus irmãos, os etruscos[73], são hábeis na cerâmica. Os egípcios primitivos e os etruscos também eram atlântidas, da sub-raça tolteca[74]...
A quarta sub-raça são os turanianos[75], da Caldéia antiqüíssima de antes do dilúvio. Deles restaram os ferozes assírios e os babilônios orgulhosos que adoraram não apenas o Sol, mas toda a corte celeste dos astros, criando a Astrologia...
...No templo do Sol imperava a cor de ouro, no dia da Lua, a da prata. Os adeptos do planeta Vênus usavam umas roupagens dum lindo azul bem claro. Os cabelos conhecem todos os filhos do Sol: Vulcano[76], Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano e Netuno. O templo do Sol fica no centro rodeado pelo templo de seus filhos...

(Uma grande lacuna)

Da quinta sub-raça dos atlântidas, – os semitas primitivos, de antes do dilúvio, – saiu a quinta Raça.  Lembra-te, discípulo, a Eternidade não tem pressa! Um cortejo de cem mil anos não é nada para o Tempo que a Mente Humana tenta limitar!...
...A quinta Raça tem a pele da cor da Lua... Nos quatro vales da Índia formaram-se quatro sub-raças, desenvolvendo-se lentamente no seio amante da Mãe-Natureza. Quando o fruto amadureceu, podia ser servido em benefício da Evolução, e o Manu levou quinhentas famílias selecionadas fazendo-as emigrar para as fraldas dos Montes do Líbano. Nestes tempos remotos, as águas do Mar do Saara brincavam próximas às pirâmides de Gizé. Nem todos os escolhidos chegaram à meta determinada. Muitos foram ficando pelo caminho, de modo que oi elemento humano ia se caldeando no cadinho das sociedades que passaram...
Mais trinta famílias saíram dos vales da Índia costeando o imenso Mar de Gobi[77]. Estes ficaram puros e fiéis às leis de Manu. A Raça Ariana estava pronta para entrar em ação, dando novas forças às velhas raças que morriam... E os arianos forma lentamente povoando a Terra. As trevas e a morte rondavam a terra como abutres... Massas de vapor e de nuvens envolviam a terra e escureciam o céu. O mar subiu, a chuva despencou, os rios transbordaram, Poseidônis afundou no abismo do oceano... Mas Manu protegia o seu povo na hora da desgraça! Nada podia germinar na terra encharcada, mas o Grande Espírito velava pelo seu tesouro. Durante 5 primaveras, 5 outonos, 5 invernos e 5 verões um grande calor exumou os te4rrenos que o homem pode cultivar de novo...
A gente que vivia nos quatro vales da Índia foi quem menos sofreu, pois o Grande Espírito velava pelo filhinho ainda no berço. A língua que falavam era o “samskrta”, [78] a língua perfeita. Estenderam-se por todo o continente e povoaram as ilhas do Grande Mar do Oriente, o maior de todos os mares, vencendo os aborígines. E o elemento humano ia se caldeando no cadinho das sociedades que passaram. Cava os desertos da Ásia, ó Homem curioso, e verás surgirem as ruínas do Passado que não volta. Seus templos são gigantescos e magníficos. A Raça Ariana é a filha dileta do Grande Espírito. Ela vem povoando a Terra. Como tudo, tem de crescer, viver e morrer...
E os séculos rolaram como seixos com que brinca a correnteza. Em ondas sucessivas, a gente boa da quinta Raça is deixando os quatro vales férteis da terra sagrada da Índia para fortificar as raças velhas que morriam. Os semitas arianizados vivificaram os gastos povos da Arábia e do Egito. Os arianos conquistaram e repovoaram a Pérsia e a Mesopotâmia... Enquanto isto, no vale da Índia, isolado por montanhas inexpugnáveis, cresciam os celtas que o Grande Espírito destinava para encorajarem a poesia, a eloqüência, a pintura e a música. Eles emigraram para sua missão, muito tempo depois que os iranianos tinham se estabelecido na Pérsia. Seguiram pela fronteira setentrional do reino dos persas, caminhando para as altas montanhas do Cáucaso, entre o mar de Hircânia e o Porto Euxino. [79] E o Manu guiou-os na luta de conquista das tribos selvagens. Protegidos pelas montanhas do Cáucaso, os celtas se avigoraram para a Grande Emigração pela Frigia, pela Ásia Menor e por toda a costa do Mar Interior. Eram celtas os pelasgos que a Grécia honra como de esplendida memória... Eram celtas os troianos que a Mitologia apresenta como os protegidos de Vênus. Eram celtas os que criaram a civilização da ilha de Creta... E os celtas, em levas sucessivas foram descendo do Cáucaso e espalhando-se por todo o continente do Ereb...[80] E os povos foram se caldeando no cadinho das sociedades que passaram...
Mais uma sub-raça ariana se formava nos distantes e protegidos vales da Índia... Era a quinta sub-raça, a dos teutões, fortes e resistentes, de estatura mais elevada que a dos celtas, claros. Loiros, de olhos azuis. Emigraram primeiro para as bordas do mar da Hircânia. Depois que estavam secos os pantanais do continente do Ereb, o Manu os conduziu para lá. E porque habitaram a Germânia, são chamados teutões, teutos ou germanos. Nas terras remotas que o mundo desconhece eles estão crescendo em força e poder, à espera de que chegue a hora  de entrarem em destaque no Palco da Vida dos Povos da Terra. Todas as raças têm uma missão a cumprir. A Eternidade não tem pressa... Os povos vão se caldeando e povoando a Terra. Ó sábio, abre os olhos e vê! Os homens são todos irmãos! A virtude e o amor são os caminhos da Sabedoria e da Felicidade. Pela virtude e pelo amor hás de desenvolver a vista espiritual e poderás contemplar a gloriosa visão que te espera. Paz a todos os seres”
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 Lentamente, Pitágoras foi enrolando o precioso manuscrito. Suas mãos não tremiam. De olhos no céu onde apareciam os primeiros rubores da aurora, sua alma de inspirado banhava-se na luz divina daquelas palavras abençoadas. Sim! Pela Virtude e pelo Amor, ele havia de desenvolver em si próprio a vista espiritual porque ansiava pela contemplação da visão gloriosa. E perdeu-se em profundo devaneio. Aquele desfiar de raças e sub-raças deixava-o atordoado, mas aceitada “a priori” o parentesco da grande Família Humana. Mas... e o elo entre estas múltiplas sub-raças que se misturavam! Existiria um elo?... Talvez que Zaru soubesse...
Cansado, envolveu-se no manto de pele de camelo, pois estava muito fresca a brisa matinal, e adormeceu profundamente.

CAPÍTULO XI
Aquele era o último dia de viagem. Já se delineava no horizonte o perfil distante duma cidade, – Canopos, – à foz dos braços do Nilo. Pitágoras conversava com Zaru enquanto se ocupavam com as manobras.  Como seria possível e explicável esta fraternidade entre os povos da terra? Existiria realmente aquela gente vermelha, os Filhos do Sol que viviam nas terras do Ocidente? Zaru hesitou, mas acabou por desabafar sem rebuços. Aquele jovem samiano lhe inspirava absoluta confiança. Belo como Adonis, seus olhos negros eram límpidos como um céu sem nuvens. Venceu o desejo de contar tudo o que sabia. E sua confidência foi realmente assombrosa.
– Escute, amigo. Vou lhe contar umas coisas que pouca gente sabe. Peço-lhe segredo absoluto. Entre nós, navegantes fenícios, existe um pacto: ninguém deve conhecer ou sequer suspeitar de nossas rotas pelo Grande mar do Ocidente! Se souberem que falei, matar-me-ão. Pitágoras, existe realmente um Império maravilhoso, de gente de pele vermelha, adoradores do Sol. Eu próprio estive numas grandes ilhas[81] em busca de ouro e pedras preciosas. Fundeamos numa península[82] onde vi coisas extraordinárias.
Baixou a voz, cauteloso:
– Aquela gente escreve! Têm um alfabeto fonético! Contaram-me que são descendentes dum povo que veio do Oriente.
Pitágoras arregalou os olhos espanados:
– Será possível?!
– Ainda há mais! A língua que eles falam perece-se extraordinariamente com o grego. E as 13 letras do alfabeto maia têm uma relação muito clara com os hieróglifos egípcios correspondentes! Pitágoras, estou firmemente convencido de que os dois continentes tiveram ligação, em tempos remotíssimos e que os egípcios têm seus irmãos naquelas longínquas plagas para lá do oceano. Os sacerdotes egípcios sabem desta verdade, mas acham que a revelação não pode ser feita senão para os iniciados. Meu pai tentou iniciar-se nos mistérios de Ísis, mas não resistiu às provas. Ele me contava que os sacerdotes assim diziam: “É necessário medir a verdade segundo as inteligências. Para aquele que sabe, a Ciência é uma força, a Lei é uma espada e o Silêncio é uma armadura invencível...”.
Pitágoras disse:
– Pretendo iniciar-me nos mistérios de Ísis, se é que poderei vencer as provas...
Zaru animou-o:
– Há de vencer, Pitágoras. O oráculo de Delfos previu para você um destino de luz. Você é um predestinado!
Os contornos das terras distantes iam emergindo cada vez mais nítidos no horizonte. Zaru teve de deixar seu jovem amigo para cuidar das manobras da galera e preparar tudo para a próxima revista da carga, em Canopos. Antes de subirem para Náucratis, o porto que o faraó Amácis tinha franqueado aos gregos, as galeras feníceas passavam pelo fisco e pagavam imposto às autoridades egípcias que vigiavam a entrada do braço Canópico onde havia permanentemente uma guarnição de guerreiros.
A emoção de Pitágoras era indescritível ao aproximar-se das terras do Egito, o pai intelectual de toda a Ciência contemporânea. Nos templos do vale do Nilo os estudiosos iam procurar a Iniciação, isto é, a verdadeira sabedoria, disfarçada em mitos que os hieróglifos tornavam ainda menos compreensíveis. Conforme Zaru tinha dito, os sacerdotes davam ao povo uma instrução religiosa muito superficial, apresentando-lhe imagens simbólicas e templos imponentes e impressionantes por sua grandeza. Para o povo, bastava que a religião os ensinasse a serem bondosos e honestos.
Zaru deu ao jovem samiano um mapa do Egito que ele próprio tinha levantado no decorrer de suas viagens, aconselhado a Pitágoras que, antes de se internar num templo para as provas e para a Iniciação que durava muitos anos, fizesse uma excursão pelas cidades principais, procurando enfronhar-se nos costumes daquele povo singular e admirável. Pitágoras estava então com 18 anos e aquele passeio seria ótimo para consolidar a maturidade de seu espírito, preparando-o para as provas que, segundo contavam, eram duríssimas.
Enquanto a marinhagem se agitava na azáfama dos preparativos para a chegada a Canopos, Pitágoras, no seu cantinho favorito à popa, ia examinando o mapa que Zaru tinha traçado com incrível habilidade, como digno aluno de Anaximandro de Mileto.
O Egito, – “Aigyptos” dos gregos, significando o país escondido, – tinha o nome de Masr que lhe davam os árabes e Mezraim que lhe davam os hebreus e ficava a N.E. do deserto da Líbia. Se não fosse o Rio Nilo, aquelas terras seriam inabitáveis. Pitágoras olhava o mapa: ao norte, o Mar Interior, a leste o Mar Vermelho, ao sul os paredões de rocha que se estendem por toda a Núbia e a oeste o deserto da Líbia. O rio misterioso entrava no solo do Egito jorrando duma garganta apertada. Ninguém sabia donde ele vinha, para chegar tão pujante e caudaloso, como uma divindade benfazeja, a espalhar a fertilidade por onde ia  passando.
Da zona do Delta, onde o rio se lançava ao mar formando vários canais, era o que chamavam de BAIXO EGITO, às bordas do Mar Interior. Zaru tinha assinalado como cidades principais: Sais, Heliópolis, Pelúsia... Lentamente o Delta ia crescendo graças aos depósitos de aluvião que o rio vinha trazendo inalteravelmente. A zona do Delta era a mais rica de todo o Egito, graças à sua situação geográfica. No solstício de verão começava o transbordamento do rio cujas águas fertilizavam as terras arenosas.
Vem logo abaixo o MÉDIO EGITO, onde ergue a célebre cidade de Mênfis, para onde Pitágoras se dirigia decidido a internar-se no templo de Ísis para a Iniciação. Zaru tinha assinalado os juncais de papiros, emoldurando o rio, onde os crocodilos deslizavam pachorrentamente. O desenho duma barca a remo, trazendo na prova a curva hierática duma estátua de Ísis denotava que o rio era muito navegado.
Mais abaixo ainda, o ALTO EGITO, onde estava tebas, enorme, estendendo-se em ambas as margens do rio. De Canopos a Tebas, um barco ia em oito dias de viagem!  Era bem pequeno o território, berço de toda a civilização, pensava Pitágoras.
Para o sul de Tebas hecatômpila, – a cidade das cem portas, – estavam marcados os dois Colossos de Mnemoli, estátuas com mais de 63 pés gregos[83], talhadas num só bloco de pedra. Aliás, toda a Tebaida estava assinalada por monumentos que Zaru tinha desenhado em miniatura: templos, esfinges e pirâmides, não tão grandes como a de Gizé que lá se erguem desafiando o tempo, Na cidade de Siena estava assinalada a primeira catarata. A um lado do mapa, Zaru tinha feito um esquema bem interessante sobre o regime do Rio Nilo que, na vazante aparecia reduzido á metade de sua largura habitual, com as águas negras, representando a cor que lhes dá o limo. Depois, via-se o Nilo verde, representando a cor das águas estagnadas e, depois dum período de 4 dias, via-se o Nilo engrossado, pintado duma cor vermelha como se fosse sangue. Era o indício do começo da inundação e o vermelho era das matérias fecundantes que transformam a aridez em fertilidade. Do outro lado do mapa, uma representação das três estações que reinam no Egito: quatro meses de semeadura e de crescimento; quatro meses de colheita[84] e quatro meses de completa inundação[85]. Realmente, toda a vida do povo egípcio passava-se em torno de seu rio, o Nilo, que adoravam como um deus. Zaru tinha contado a Pitágoras que o povo egípcio estava certo de que o Nilo, – imagem das águas dos céus onde flutuam as barcas dos deuses, – descia da abóbada celeste. Suas inundações eram devidas às lágrimas da deusa Ísis (a Lua), chorando seu esposo Osíris (o Sol) morto por Set, o gênio do mal (a Noite).
Na outra face do mapa, Zaru tinha marcado as produções vegetais do país: romãzeiras, tamareiras, damasqueiros, figueiras e palmeiras, distinguindo-se a vegetação aquática, verdadeiramente luxuriante, sobrepujando o utilíssimo papiro de tão variadas aplicações e o lótus. O Desta era simbolizado por uma planta de papiro, enquanto que a Tebaida o era pelo lótus. Nas águas do rio abundavam os hipopótamos[86] e os crocodilos. Entre as aves destacavam-se: íbis brancos e pretos, águias, falcões, pombos e pelicanos que Zaru tinha desenhado em caprichosas miniaturas, lembrando os hieróglifos. O peixe também não faltava. As terras do Egito nada mais eram que um vasto oásis abençoado pelas águas ricas do Nilo. Pelo mapa, Pitágoras deduzia que as condições do clima tinham feito dos egípcios um povo exclusivamente agrícola, transformando-se numa espécie de celeiro do mundo. De seus portos saiam barcos carregados de grãos para toda a parte. O trigo abundava. A cevada era usada também no preparo da cerveja e os vinhedos do Egito produziam ótimo vinho. No Delta, Zaru tinha assinalado extensos vinhais. Havia abundancia de mel. Como animais domésticos, figuravam asnos, bois, carneiros, cabras, porcos, cães, gatos, gansos e patos. Não falavam também hienas, lobos e chacais que a imaginação mística do povo divinizava. Fabricavam machados, armas e utensílios agrícolas de cobre e suas ligas. A lama do Nilo era muito aproveitada para a cerâmica que atingira alto grau de perfeição. Vidros, jóias e faianças também figuravam como produtos de exportação, primando pela forma e pelo colorido. Assinaladas como produção mineral, havia pedras de várias qualidades: calcários, dioritos e outros granitos. O negro diorito e o granito vermelho eram muito empregados nos monumentos. O q         uartzito branco servia para estátuas e sarcófagos. Além disso, o país possuía cristais de rocha, ametistas, feldspato azul, ônix, granadas, turquesas e conalinas. O lápis-lazúli vinha da Pérsia. Conheciam as estáteras e tinham suas moedas próprias, mas preferiam comerciar por meio de permutas. Anéis de outro e prata circulavam à guisa de moeda. NO precioso trabalho de Zaru também estava assinalado o sistema de pesos e medidas usado no Egito. Era verdadeiramente admirável.
Lá figuram os instrumentos de música: harpas, cítaras e flautas. E miniatura delicada e perfeita, Zaru tinha desenhado a imagem dos principais deuses com o seguinte título: “Divindades do povo mais religioso do mundo” [87]. Pitágoras observou o deus Amon, de Tebas, o Criador de todas as coisas, representado com duas torres sobre a cabeça de carneiro. O deus Fta, de Mênfis, era figurado por um escaravelho. O deus Rá, com cabeça de gavião, trazia sobre o crânio uma serpente, símbolo da inteligência divina e da reencarnação. Lá estava a tríade tão conhecida: Osíris, o Sol, emblema da força masculina, empunhando as insígnias sagradas; Ísis, a Lua, personificação da Natureza-Mãe e Hórus, o Sol-nascente, simbolizando a ressurreição.
Zaru não podia dar ao jovem Pitágoras um presente mais precioso que aquele mapa! Em troca, o samiano deu ao mestre-piloto uma linda ametista, na qual ele próprio tinha gravado uma galera, como lembrança daquela inesquecível viagem de Tiro a Canopos, onde estava acabando de aportar, desembarcando no burgo da entrada do império.
Pitágoras, emocionado, finalmente descia em terras do Egito.

B I B L I O G R A F I A:
Enciclopédia Britânica.
GUSTAVE LE BOM: Les Premières Civilisations.
FABRE d’OLIVET: La Langue Hebraïque Restituée. 
MASPERO: Histoire Ancienne de Peuples de l’Orient.
COMMELIN: Nouvelle Mythologie Greque et Romaine.
ONCKEN: História Universal, Volumes I e IV.
SCHURE’: Os Grandes Iniciados.
VAN DER BERG: Petite Histoire des Grecs.
COMBES: La Grèce.
THEODORE PASCAL: La Sagesse Antique à Travers les Ages.
W. SCOTT-ELLIOT:La Lemurie Perdue.
W. SCOTT-ELLIOT: História de los Atlantes.
BOSSUET: Discours sur l’Histoire Universalle.
JOSÉ ORTEGA y GASSET: Cantos y Cuentos del Antiguo Egipto.


NOTAS:
                                [1] Ilha próxima da costa ocidental da Ásia Menor, um pouco ao sul de Éfeso, afastada da praia cerca de 1,5km. Mencionada na Bíblia (At. 20.15). Paulo ali aportou em sua terceira viagem missionária. A ilha é montanhosa e esta sua característica explica o nome que tem (altura). Foi lugar de importância, que se tornou notável pelo culto prestado a Juno, como terra natal de Pitágoras e pelo fato de terem os gregos derrotado a armada persa (479 a.C.), nesse mesmo estreito onde Paulo passou.
[2] Cambises, filho do grande Ciro, conquistou o Egito e parece que depois da tolerância do começo, aborrecido com a rigidez e falta de confiança dos egípcios, cometeu injustiças (Veit Valentin – História Universal, vol. 1). Foi assassinado quando regressava do Egito por conspiradores de seu governo (Burns, História da Civ. Ocid., vol. 1).
[3] Juno, em grego Hera, irmã gêmea e esposa de Júpiter ou Zeus, o Pai dos deuses. Juno e Júpiter viviam em constantes brigas, que não passam de alegorias. Juno representa a atmosfera frequentemente carregada ou perturbada. Júpiter representa o éter puro, para além das nuvens, onde a serenidade é permanente. Juno presidia aos casamentos. Era venerada e temida. No 1º de cada mês, sacrificavam-lhe uma porca. (N.A.)
[4] O deus supremo da mitologia romana (em grego, Zeus), que o povo de Listra supunha ter descido do céu na pessoa de Barnabé. Listra – cidade da Licacônia, na província romana da Galácia, onde e Paulo e Barnabé foram primeiramente venerados como deuses e depois apedrejados pelo povo. (at. 14.12).
[5] Arte de gravar em pedras preciosas. (N.A.)
[6] Casa de banhos.
[7] A primeira Olimpíada data do ano de 776, a. C. (n.A.)
[8] Plutarco conta este fato.(n.A.)
[9] Delos é a menor das ilhas do arquipélago das Cícladas. (n.A.)
[10] Fonte perto de Delfos, cujas águas eram reputadas como inspiradoras dos poetas. (n.A.)
[11] Vento forte.
[12] Divindade que preside ao mar.
[13] Foi, em tempos antigos, uma fortificada cidade da Fenícia, situada sobre uma península rochosa, primitivamente uma ilha da parte oriental do Mediterrâneo, colonizada pela gente de Sídon.
[14] O Mar Interior é o Mediterrâneo. (n.A.)
[15] Cidadela nas antigas cidades gregas, ao mesmo tempo uma fortaleza e um recinto onde ficavam os principais templos. (n.A.).
[16] Estreito de Gibraltar. (n.A.)
[17] Regiões ao norte da Ásia e ao N. E. da Europa, onde corre o Danúbio, desde as bordas do Mar Negro (Ponto-Euxino) até o Norte. (n.A.)
[18] Individuo dos frígios, povo não helênico do ocidente da Ásia Menor, que habitava o território da atual Turquia.
[19] A casa paterna, a família.
[20] Fecundo, abundante, farto.
[21] Acrópole: a parte mais elevada das antigas cidades gregas que comportava a cidadela e eventualmente santuários.
[22] Tales de Mileto previu o eclipse do Sol no dia 28 de maio do ano 585 A.C., que se deu no momento em que os lídios guerreavam com os medos. O pavor que os soldados sentiam foi tal que os dois exércitos firmaram a paz. N.A.)
[23] “Veneris dies”, dia de Vênus, sexta-feira. (n.A.).
[24] Mar Mediterrâneo. (n.A.)
[25] O cobre, em latim é “cyprium”, de Chipre, a ilha donde era extraído. (n.A.)
[26] A palavra grega “Aphros” significa espuma. (n.A.)
[27] Parte da armadura para a defesa do pescoço.
[28] O estádio era uma medida grega equivalente a pouco mais de 40 metros. (n.A.)
[29] Pequeno rei.

[30] A estátera pesava cerca de 12 gramas. O electro era uma liga de ouro e prata à qual os gregos chamavam “ouro branco”. (n.A.)
[31] Cavalo alado da mitologia grega.
[32] Entre os gregos o estatér era uma moeda de ouro.
[33] Quinta-feira, “Jovis dies”, dia dedicado a Júpiter. (n.A.)
[34] Os romanos, em vez de cevada cozida, faziam uma pasta de farinha de trigo e sal. Em latim, esta pasta chamava “mola”, conde veio a palavra “imolar”, para exprimir a consumação do sacrifício. (n.A.)
[35] As Cassitérides são as atuais ilhas Sorlingas, na Inglaterra. Daí vem o nome de cassiterita dado ao minério de estanho (SnO² – óxido de estanho). (n.A.).
[36] O Mar Báltico. (n.A.)
[37] Sacerdote que preside uma cerimônia.
[38] O mar Eritreu é o atual Golfo Pérsico. (n.A.)
[39] Os sumérios ou acados são antepassados dos antiqüíssimos caldeus. (n.A.)
[40] Supõe-se que a queda de Tróia tenha sido no ano de 2000 A.C., mais ou menos. (n.A.)
[41] Aco mais tarde seria São João D’Acre. (n.A.)
[42] O bicho da seda. (n.A.)
[43] A ilha de Cós fica na costa sudoeste da Ásia Menor.(n.A.)
[44] Os filisteus constituíam um povo não semita estabelecido no litoral da Palestina.
[45] Este ataque dos filisteus a Sídon foi mais ou menos no ano de 1200 a.C. Da queda de Sídon resultou a elevação de Tiro a metrópole, mantendo a hegemonia. (n.A.).
[46] Mercúrio é o nome latino. Deriva da palavra “mercês” que significa mercadoria. A ele era consagrada a 4ª feira: “Mercurii dies”. (n.A.)
[47] A Ibéria é a Espanha de hoje. A Ligúria é a França meridional. A Itália é apenas a península da Calábria atual. (n.A.)
[48] Hoje (Beyrouth) – Beiture.  (n.A)
[49] Extraíam a púrpura dum molusco gastrópode chamado murex. Hoje a púrpura é extraída da cochonilha que é um inseto originário do México. (n.A.).
[50] Podem ser vistos tais penhascos ainda hoje, nos arredores de Sídon. (n.A.)
[51] A ilha de Citera, hoje Cerigo, está a N. O. da ilha de Creta. Na Antiguidade, esta ilha foi consagrada a Vênus que os gregos chamavam Afrodite e os fenícios Astartéia. (n.A.)
[52]  A Bética é o sul da Espanha. (n.A.)
[53] O pé grego, em Atenas, era de 316 mm. (n.A.)
[54] Cerca de 1 km. (n.A.)
[55] Epidauro é hoje uma simples aldeia, chamada Pidhavro. Na Grécia antiga foi uma das principais cidades da Argólida, no golfo Salônico. Seu santuário ao deus Asclépios era frequentadíssimo por doentes de todas as partes do mundo civilizado. (n.A.)
[56] Higéia, em grego, significa saúde. (n.A.).
[57] O rio Nilo, ao desaguar no Mediterrâneo, forma vários braços no delta. O braço ocidental era chamado Canópico e o porto à entrada era a cidade de Canopos. Como todo porto de entrada, era bem fortificado. Mais t arde, fundou-se lá perto a cidade de Alexandria. (n.A.).
[58] Narrativa sobre a origem da formação do mundo, do Universo conhecido sob a visão dos mitos.
[59] Em Física, Eros será a coesão e Anteros, a repulsão, as duas forças que presidem a formação dos corpos. (n.A).
[60] O mar Exterior é o Oceano Atlântico. (n.A.)
[61] Colunas de Hércules é o mesmo que Estreito de Gibraltar. A Mitologia contava que Hércules tinha separado a Europa da África.
[62] Sérica e Catai eram a atual China. (n.A.)
[63] Pictograma gravado em pedra.
[64] No Apocalipse, último livro da Bíblia, também há um símbolo das raças com os sete reis, dos quais cinco já apareceram, um existe e o último está por vir; segundo esta concepção, as duas grandes guerras do nosso século marcam o fim duma raça e o reerguimento de outra.
[65] É o que conta a Cabala. (n.A.)
[66] Dizem que a glândula pineal é a reminiscência deste 3º olho desaparecido na espécie humana. (n.A.).
[67] Da Odisséia e Homero. (n.A.)
[68]  O mesmo que abismo, precipício.
[69] Prometeu é o deus do fogo, titã irmão de Atlas. É a personificação do gênio do Homem. Conta a Mitologia que Prometeu fez um homem de barro e roubou o fogo do céu para lhe dar alma. (n.A.)
[70] Muralhas colossais.
[71] A Esfinge, no antigo Egito, representada um mostro fabuloso com o corpo de um leão alado era erguido próximo aos grandes santuários e túmulos.
[72] São os Incas do Peru e da América Central que os espanhóis destruíram ou escravizaram no século XVI da nossa era. (n.A.)
[73] Povo que habitava a Itália e que foram influenciados culturalmente pelas colônias gregas do sul da Itália.
[74] Povo indígena pré-colombiano do altiplano central do México.
[75] Turanianos formam um grupo de povos da Rússia meridional e do Turquestão, com traços mongólicos.
[76] Planeta que se supunha existir, com órbita anterior a de Mercúrio.
[77] Hoje é o deserto de Gobi, na Ásia Central. (n.A.)
[78] Sânscrito, a língua que deu origem ou melhor, língua-chave de todas as línguas que a Filologia classificou como indo-européia, entre as quais figuram o grego, o latim e seus filhos. (n.A.)
[79] Mar da Hircânia é o Mar Cáspio e o Ponto-Euximo é o Mar Negro. (n.A.)
[80] Dizem os etimologistas que a palavra “Europa” vem de “Ereb”, palavra assíria que significa poente ou oeste. (n.A.)
[81] Nas Antilhas havia povos incas de adiantada civilização.
[82] A península de Iucatã, onde viviam os maias.
[83] Mais de dois metros de altura.
[84] Mais ou menos de novembro a fevereiro.
[85] Mais ou menos de março a junho.
[86] Ainda no século XIII da nossa era, havia hipopótamos no Nilo. Hoje, nem crocodilos há, devido à navegação a vapor.
[87] Foi Heródoto quem, dois séculos depois de Pitágoras, chamou os egípcios de povo mais religioso do mundo.